Terreiro do Paço

Diego Inglez de Souza

Lisboa, Portugal

38°42'27" leste e 9°8'11" sul.

O que define um terreiro? Uma forma social, uma espacialidade, uma territorialidade, uma dimensão sagrada? Em Lisboa, é no terreiro que o poder colonialista se firma.

Publicado em
06/10/2022

Atualizado em
02/12/2022

Quais seriam os possíveis significados do Terreiro? No Brasil, muitos espaços carregam este nome, seja para designar os espaços dedicados à prática das religiões de matriz africana, dos “brinquedos” da cultura popular como o maracatu rural ou o cavalo marinho ou mesmo os rituais dos povos autóctones como o Toré celebrado pelos Xukuru de Pernambuco e diversos outros povos. No centro de Salvador, na Bahia, fica o Terreiro de Jesus, projetado em Lisboa em 1549 para a sede do Governo-Geral do Brasil. Apesar de tratarem-se de espaços com características físicas e temporais muito diferentes, parece haver algo em comum entre os significados destes muitos terreiros, em todas as margens do Atlântico.

Em Lisboa, com a transferência da sede do poder real para a Ribeira no começo do século XVI, tem início a estruturação do Terreiro do Paço, praça retangular que relaciona o rio Tejo à cidade e que pode servir como ponto de partida para a reconstrução de um dos significados que a palavra terreiro pode adquirir. Em Portugal, terreiro é um campo aberto nos limites da cidade, seja na sua confrontação com o rio ou com as muralhas, onde acontecem tanto eventos regulares como a feira ou o mercado quanto episódios fundamentais da história destas cidades e do país. Apesar de terem frequentemente sua toponímia original alterada, resistem em muitas cidades portuguesas espaços conhecidos pela população como terreiro, campo de encontros, celebrações, trocas e conflitos.

Ao longo dos séculos, o Terreiro do Paço serviu como o primeiro porto da cidade de Lisboa, porta do mar e sala de visitas, recebendo e fazendo partir monarcas, bens, militares e políticos. A restauração da independência de Portugal perante a Espanha em 1640 teve ali violentos episódios. O primeiro dos torreões do Paço, edificado na década de 1580 por ordem do rei Filipe II de Espanha (1527-1598), foi destruído pelo terremoto de 1755. Com a reconstrução da cidade dirigida pelo Marquês de Pombal (1699-1782), o Terreiro do Paço, então rebatizado de Praça do Comércio, passou a ser o epicentro destas transformações,

assumindo a configuração atual a partir da reconstituição aproximada do torreão original e do seu espelhamento à nascente. No centro geométrico da praça, instalou-se então a estátua equestre de Dom José I (1714-1777), última reminiscência do poder real que ocupou este espaço. Os edifícios que conformam uma longa fachada e abrem-se para o Tejo e para o vazio foram ocupados por Ministérios e entidades governamentais e ali permanecem. No Terreiro do Paço deu-se o regicídio que vitimou o Rei Dom Carlos de Bragança (1863-1908) e o seu herdeiro direto, desestabilizando a Monarquia, que caiu definitivamente em 1910. Durante o Estado Novo (1933-1974), das janelas do seu gabinete, o ditador Oliveira Salazar (1889-1968) recebeu manifestações de apoio que encheram o espaço durante e após a Segunda Guerra Mundial. Em 25 de Abril de 1974, o Terreiro do Paço foi ocupado por militares revoltosos do Movimento das Forças Armadas que deram o golpe

final no fascismo e ao Estado corporativista, então liderado por Marcelo Caetano (1906-1980). Partindo da hipótese que a palavra pode carregar um significado comum através do Atlântico, a noção de terreiro parece conter sentidos associados ao encontro, à celebração e ao conflito, fundadoras de um espaço público fundamental em todas as cidades em que se fala o português.

Terreiro do Paço em 1662, por Dirk Stoop (Museu de Lisboa).

Terreiro do Paço em 1662, por Dirk Stoop (Museu de Lisboa).

Praça do Comércio na primeira metade do século XX (Horácio Novais, Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian).

Praça do Comércio na primeira metade do século XX (Horácio Novais, Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian).

Arraial e Feira no Terreiro do Paço, Programa das Festas de 1934 por Almada Negreiros (Museu de Lisboa).

Arraial e Feira no Terreiro do Paço, Programa das Festas de 1934 por Almada Negreiros (Museu de Lisboa).

Operações militares no 25 de Abril (Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra).

Operações militares no 25 de Abril (Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra).