Projeto Jari

Julia Frenk

AP, Brasil

0°50'28" oeste e 52°31'9" sul.

"Não é fácil civilizá-los." (Fitzcarraldo em filme homônimo de Werner Herzog, 1982)

Publicado em
13/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

O maior latifúndio do mundo. Em plena floresta amazônica, uma área equivalente a cerca de quatro Distritos Federais, maior do que o estado do Sergipe, maior do que países como a Bélgica. Tudo isto pertencente a um único homem, Daniel Keith Ludwig, detentor de uma das maiores fortunas do planeta. Com planos audaciosos, inclusive de desmatar uma enorme parte da floresta nativa, o Projeto Jari representa uma das maiores e mais agressivas intervenções do homem moderno sobre sua natureza inventada, e reflete, de maneira exemplar, o contexto histórico e político em que surgiu. 

Desenvolvido na década de 1960, é fruto do projeto desenvolvimentista adotado pela Ditadura Militar. Representa um período histórico em que o esforço de modernização foi hiperbolizado e a natureza entendida como recurso e matéria inerte, nada mais. A história do Projeto Jari é a história da devastação da Amazônia. Um megaprojeto de exploração, fruto do capital privado norte-americano, planejado para funcionar como um complexo econômico de grandes dimensões, envolvendo atividades industriais, agrícolas e de extração mineral e vegetal.

A gleba fica localizada na confluência dos Rios Jari e Amazonas, e se divide entre dois estados: Amapá e Pará. Para que todas as atividades pretendidas pudessem acontecer, fez-se necessário a implantação de um enorme projeto infraestrutural, com dezenas de quilômetros de ferrovias e centenas de quilômetros de rodovias rasgando a floresta nativa. Foi implantado também um conjunto de cidades planejadas, com mais de 15 núcleos residenciais, junto dos quais nasceram diversos povoados ditos “livres”, sendo o maior deles Laranjal do Jari – destinado a abrigar os trabalhadores não contemplados no plano territorial do projeto. Em poucos anos, Laranjal se tornou a maior favela fluvial do mundo.

Tudo ali reflete a imagem do colonizador, que à la Fitzcarraldo – protagonista do filme homônimo de Werner Herzog -, chega à Amazônia arrastando seu navio floresta adentro. Uma das imagens mais marcantes do projeto é, justamente, de uma embarcação com duas enormes instalações industriais sendo rebocadas no Rio Amazonas – as maiores plantas industriais jamais movidas pela superfície da Terra, que saíram do Japão e seriam responsáveis por produzir a celulose tão almejada pelo empresário responsável pelo projeto.  A matéria-prima a ser utilizada nessas usinas viria das florestas artificiais idealizadas por ele: pretendia-se nada menos que transplantar uma floresta com árvores da Ásia e da América Central. No total foram plantadas, em um grid perfeito de 4 por 4 metros, cerca de 126 milhões de pés de gmelina.

Após uma sequência de erros, a falência do Projeto Jari, já há muito anunciada, se consolida com o que o empresário chamou de “baixa produtividade” do solo amazônico. Sem suas florestas transplantadas funcionando como acreditava que deveriam, o empresário,  altamente endividado, deixa o país em 1982, vencido pela selva.

O que um dia foi uma história monumental atrelada a um exuberante imaginário de desenvolvimento e progresso, agora se desmonta aos poucos, em uma nebulosidade de incertezas e falta de transparência. Ficam, nos territórios amazônicos, as memórias de um fracasso monumental, movido pela arrogância colonizadora/modernizadora que há décadas risca o chão do país.

Revista Manchete. Rio de Janeiro: Edição 2256. 1995. Acervo da Biblioteca Nacional. (1)

Revista Manchete. Rio de Janeiro: Edição 2256. 1995. Acervo da Biblioteca Nacional. (1)

Revista Manchete. Rio de Janeiro: Edição 1422. 1979. Acervo da Biblioteca Nacional. (2)

Revista Manchete. Rio de Janeiro: Edição 1422. 1979. Acervo da Biblioteca Nacional. (2)

Imagens retiradas do documentário ‘’Heranças de Uma Utopia’’, de 2005.

Imagens retiradas do documentário ‘’Heranças de Uma Utopia’’, de 2005.

Trecho do filme ‘’Fitzcarraldo’’, dirigido por Werner Herzog. (3)

Trecho do filme ‘’Fitzcarraldo’’, dirigido por Werner Herzog. (3)

Projeto de Lei Nº 2043/1979. (4)

Projeto de Lei Nº 2043/1979. (4)

Laranjal do Jari, no Amapá. (5)

Laranjal do Jari, no Amapá. (5)

Laranjal do Jari, no Amapá. Fonte: Rede Amazônica no Amapá. (6)

Laranjal do Jari, no Amapá. Fonte: Rede Amazônica no Amapá. (6)

Laranjal do Jari. Foto: Guilherme Bergamini.

Laranjal do Jari. Foto: Guilherme Bergamini.

“Projeto Jari na Amazônia”