Projeto Jari
Julia Frenk
Publicado em
13/09/2022
Atualizado em
02/12/2022
O maior latifúndio do mundo. Em plena floresta amazônica, uma área equivalente a cerca de quatro Distritos Federais, maior do que o estado do Sergipe, maior do que países como a Bélgica. Tudo isto pertencente a um único homem, Daniel Keith Ludwig, detentor de uma das maiores fortunas do planeta. Com planos audaciosos, inclusive de desmatar uma enorme parte da floresta nativa, o Projeto Jari representa uma das maiores e mais agressivas intervenções do homem moderno sobre sua natureza inventada, e reflete, de maneira exemplar, o contexto histórico e político em que surgiu.
Desenvolvido na década de 1960, é fruto do projeto desenvolvimentista adotado pela Ditadura Militar. Representa um período histórico em que o esforço de modernização foi hiperbolizado e a natureza entendida como recurso e matéria inerte, nada mais. A história do Projeto Jari é a história da devastação da Amazônia. Um megaprojeto de exploração, fruto do capital privado norte-americano, planejado para funcionar como um complexo econômico de grandes dimensões, envolvendo atividades industriais, agrícolas e de extração mineral e vegetal.
A gleba fica localizada na confluência dos Rios Jari e Amazonas, e se divide entre dois estados: Amapá e Pará. Para que todas as atividades pretendidas pudessem acontecer, fez-se necessário a implantação de um enorme projeto infraestrutural, com dezenas de quilômetros de ferrovias e centenas de quilômetros de rodovias rasgando a floresta nativa. Foi implantado também um conjunto de cidades planejadas, com mais de 15 núcleos residenciais, junto dos quais nasceram diversos povoados ditos “livres”, sendo o maior deles Laranjal do Jari – destinado a abrigar os trabalhadores não contemplados no plano territorial do projeto. Em poucos anos, Laranjal se tornou a maior favela fluvial do mundo.
Tudo ali reflete a imagem do colonizador, que à la Fitzcarraldo – protagonista do filme homônimo de Werner Herzog -, chega à Amazônia arrastando seu navio floresta adentro. Uma das imagens mais marcantes do projeto é, justamente, de uma embarcação com duas enormes instalações industriais sendo rebocadas no Rio Amazonas – as maiores plantas industriais jamais movidas pela superfície da Terra, que saíram do Japão e seriam responsáveis por produzir a celulose tão almejada pelo empresário responsável pelo projeto. A matéria-prima a ser utilizada nessas usinas viria das florestas artificiais idealizadas por ele: pretendia-se nada menos que transplantar uma floresta com árvores da Ásia e da América Central. No total foram plantadas, em um grid perfeito de 4 por 4 metros, cerca de 126 milhões de pés de gmelina.
Após uma sequência de erros, a falência do Projeto Jari, já há muito anunciada, se consolida com o que o empresário chamou de “baixa produtividade” do solo amazônico. Sem suas florestas transplantadas funcionando como acreditava que deveriam, o empresário, altamente endividado, deixa o país em 1982, vencido pela selva.
O que um dia foi uma história monumental atrelada a um exuberante imaginário de desenvolvimento e progresso, agora se desmonta aos poucos, em uma nebulosidade de incertezas e falta de transparência. Ficam, nos territórios amazônicos, as memórias de um fracasso monumental, movido pela arrogância colonizadora/modernizadora que há décadas risca o chão do país.
Referências
BECKER, B. K. Amazônia: Geopolítica na Virada do III Milênio. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2004.
CAMARGO, Maria Luíza. O latifúndio do Projeto Jari e a propriedade de terra na Amazônia brasileira. Orientador: Prof. Dr. Ariovaldo Umbelino de Oliveira. 2015. 236. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
FITZCARRALDO. Escrito e dirigido por Werner Herzog. Alemanha/ Peru: Werner Herzog Filmproduktion, 1982. 137 min, Som, Cor.
GARRIDO FILHA, Irene. O Projeto Jari e os Capitais Estrangeiros na Amazônia. Rio de Janeiro: Vozes, 1980.
M. TEIXEIRA, Carlos. Ode ao vazio. São Paulo: Romano Guerra, 2017.
PINTO, Lúcio F. Jari: Toda a verdade sobre o projeto de Ludwig. São Paulo: Marco Zero, 1986.
Fonte das Imagens
Imagem 1: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=004120&pasta=ano%20199&pesq=&pagfis=289318
Imagem 2: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=004120&pasta=ano%20199&pesq=&pagfis=186716
Imagem 3: https://www1.folha.uol.com.br/fronteiras-do-pensamento/2019/04/filmes-de-werner-herzog-retratam-duelo-epico-entre-o-homem-e-o-mundo-selvagem.shtml
Imagem 4: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=702D62D21FC0F35D1C7BA36B7C32EEE6.proposicoesWebExterno2?codteor=1180211&filename=Dossie+-PL+2043/1979
Imagem 5: https://amazoniareal.com.br/a-amazonia-do-sul-maravilha/
Imagem 6: https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2017/02/controle-de-volume-de-agua-previne-enchentes-no-interior-do-ap-diz-iepa.html