Praça da Sé

Guilherme Wisnik

SP, Brasil

23°32'59" oeste e 46°38'3" sul.

A história de São Paulo é feita de sucessivos apagamentos e contrastes esquizofrênicos.

Publicado em
25/09/2022

Atualizado em
30/09/2022

Que outra cidade no mundo seria capaz de comemorar o seu aniversário de 400 anos com a inauguração de obras tão díspares como o conjunto modernista do Parque Ibirapuera, projetado por Oscar Niemeyer, e a Catedral Metropolitana da Sé, em estilo neogótico? Dois monumentos antagônicos inaugurados simultaneamente, em 1954, embora a Catedral da Sé, ainda sem as duas torres pontiagudas, só viesse a ficar pronta em 1969.

Projetada pelo engenheiro alemão Max Hehl em 1913, a Catedral Metropolitana de São Paulo foi o marco monumental da nova Praça da Sé, que substituiu o antigo Largo da Sé e a igreja Matriz, edificada pelos jesuítas em 1764. E junto com ela, e a Igreja de São Pedro dos Clérigos também demolida, alguns quarteirões da velha aldeia de Piratininga foram arrasados nessa obra de embelezamento urbano, incluindo a Rua da Esperança, zona de bares e de meretrício, onde, nas famosas fotografias de Militão Augusto de Azevedo, vemos pessoas negras postadas de pé nas ruas e calçadas a nos encarar. Essa rua ligava o centro histórico da cidade ao bairro da Liberdade, onde residiam os escravizados e ex-escravizados, e ficava, não por acaso, o Pelourinho.

No lugar do antigo largo triangular, ponto de partida de procissões da cidade, e que tinha como um dos vértices a Rua Direita, construiu-se uma enorme esplanada cinco vezes maior, coroada ao fundo pela Catedral em estilo medieval. Em sua cripta estão guardados os restos mortais do cacique Tibiriçá – que em tupi significa “vigilante da terra”, isto é, “guardião do chão” –, guerreiro indígena convertido por José de Anchieta e aliado dos portugueses, que ajudou a defender a Vila de ataques e cercos dos tupis, guaianás e carijós, chegando, para isso, a matar o seu próprio irmão.

Já na década de 1970, com a construção do metrô, a enorme esplanada da Praça da Sé, que desde os anos 1920 servia de estacionamento para automóveis, dobrou de tamanho ao incorporar a Praça Clóvis Beviláqua, num projeto que incluiu duas imponentes aléias de palmeiras imperiais, escadarias, canteiros ajardinados, espelhos d’água e esculturas de artistas como Amilcar de Castro. Nessa nova rodada de reurbanização em grande escala o maior sacrificado foi o Edifício Wilson Mendes Caldeira, torre de vidro de 30 pavimentos projetada por Lucjan Korngold e Jorge Zalszupin, cuja existência durou apenas 14 anos, até a sua implosão em 1975.

Circundada por inúmeros fóruns e repartições públicas, e por comércios populares, essa praça – que abriga o marco zero da cidade – é atravessada diariamente por milhares de transeuntes, e habitada por um grande contingente de pessoas em situação de rua. Em busca de rastros da antiga Igreja Matriz, ou da memorável Rua da Esperança, não encontramos nada, nenhum indício sequer do passado colonial. O único remanescente do período, o edifício do Colégio dos Jesuítas, logo ali ao lado, é na verdade uma reconstrução polemicamente edificada entre os anos 1950 e 70 como um dublê de patrimônio histórico. Em São Paulo, as noções de memória e de origem são sempre ficções.

Casario em demolição na Rua da Esperança, 1912. Foto: Vincenzo Pastore. (1)

Casario em demolição na Rua da Esperança, 1912. Foto: Vincenzo Pastore. (1)

Praça da Sé, 1939. Foto: Hildegard Rosenthal. (2)

Praça da Sé, 1939. Foto: Hildegard Rosenthal. (2)

Praça da Sé, 1993. Foto: Juca Martins. (3)

Praça da Sé, 1993. Foto: Juca Martins. (3)

Congresso Nacional da Padroeira do Brasil. São Paulo, 1954. Foto: Henri Ballot. (4)

Congresso Nacional da Padroeira do Brasil. São Paulo, 1954. Foto: Henri Ballot. (4)

Largo da Sé na década de 1880. Foto: Marc Ferrez. (6)

Largo da Sé na década de 1880. Foto: Marc Ferrez. (6)

Implosão do Edifício Mendes Caldeira, 1975