Pinheiro de Ouro
Ana Carolina Bezerra e David Sperling
SP, Brasil
22°6'0" oeste e 47°50'48" sul.
Publicado em
22/11/2023
Atualizado em
08/01/2024
A semente encontrou um solo fértil e favorável para o seu desenvolvimento após chegar na região pelas mãos nômades de povos indígenas, sejam eles guaianás, tupis ou jê, como levantam diferentes estudos e registros históricos. De semente em semente formaram-se bosques de araucárias (Araucaria angustifolia), que cresciam no relevo acidentado, em seus pontos altos. O chão não é passivo, nutre e permite que ali floresça. Constrói-se assim uma relação de mutualismo entre o povo originário e a natureza enraizada e agora íntima daquela rica terra. Assim viviam: da caça, cultivo e colheita, principalmente do pinhão, sendo conhecedores de inúmeras formas de consumo e conservação.
Nessa terra assim viveram até o final do século XVIII. Após a invasão de colonos, abriram-se caminhos em direção ao ouro no interior do Brasil. O elo entre araucárias e indígenas perece, expulsa-se e dizima-se uma nação inteira.
A narrativa histórica que permite associar o plantio de pinheiros à ação dos povos indígenas foi documentada apenas no final do século XIX. Uma descoberta arqueológica de cerâmicas foi feita próxima à estação Colônia, atual Conde do Pinhal, durante a construção do trecho da estrada de ferro entre Rio Claro e São Carlos, onde ainda era possível apreciar uma antiga plantação de grandiosos pinheiros ali cultivados.
E é dessa herança deixada pelos indígenas que nasce em 1831 a Sesmaria do Pinhal, e a São Carlos do Pinhal em 1857. Praticamente um século depois das invasões, as tradições indígenas ainda se faziam presentes no simbolismo do pinheiro-brasileiro, estampado, posteriormente, no brasão e na bandeira são-carlense: o pinheiro de ouro, e não dos povos que o cultivavam. A narrativa colonial legitimada.
Na memória da cidade a árvore permanece apenas como emblema que marca sua história, mas raramente encontra espaço em seu território. Pouco se vê de sua presença nas paisagens da São Carlos do Pinhal que cedeu sua terra roxa ao agro, começando sua devastação pela expansão das lavouras cafeeiras, já na época da fundação da cidade.
Os fazendeiros que ergueram São Carlos assim o fizeram com seu novo ouro, o café. Com os anos, alguns remanescentes de araucárias ainda foram derrubados para uso comercial de sua madeira ou sofreram com queimadas criminosas da cana, o novo agro.
Hoje, apenas alguns isolados sobrevivem sombreando pontos da cidade. Cada uma dessas araucárias ainda é o chão gravado pelos povos que aqui viveram.
Referências
Fundação Pró-memória de São Carlos. Os primeiros tempos e a formação da cidade de São Carlos (Final do século XVIII e século XIX). Divisão de Pesquisa e Divulgação – FPMSC, 2006. Disponível em: https://www.promemoria.saocarlos.sp.gov.br/acervo-files/historias-sc/historico-saocarlos-(XVIII-XIX).pdf. Acesso em: 10 fev. 2023.
MANO, Marcel. Os campos de Araraquara : um estudo de história indígena no interior paulista. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas, 2006. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/362147. Acesso em: 10 fev. 2023.
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VIVA ARAUCARIA. Araucária: símbolo de São Carlos. 2017. Disponível em: http://vivaaraucaria.com.br/?p=88. Acesso em: 9 fev. 2023.