Pico da Neblina, Montanha do Vento (EN)

Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling

0°49'7" leste e 66°1'48" sul.

Ponto mais alto do Brasil, localizado numa área onde se sobrepõe uma Unidade de Conservação e a maior Terra Indígena do Brasil. Os Yanomami o consideram sagrado e o chamam de Yaripo: Montanha do Vento, lar de espíritos e ancestrais.

Publicado em
13/05/2022

Atualizado em
18/09/2022

No estado amazônico, beirando a fronteira venezuelana, o Pico da Neblina alcança 2995,30 metros de altitude. Não há outro ponto em território brasileiro que o ultrapasse em altura. Sua identificação oficial só ocorreu na década de 1960 – não por acaso, período marcado pelo regime ditatorial no Brasil.

O Pico acompanhou os projetos desenvolvimentistas que os militares impuseram em suas terras vizinhas. Junto ao Plano de Integração Nacional, testemunhou a construção de estradas, a implantação de fazendas, o favorecimento dos garimpos após a descoberta de jazidas minerais e os planos de colonização que transplantaram populações massivas para ocuparem o falacioso ‘vazio demográfico amazônico’.

Em meio às investidas de exploração dos recursos da região, uma manobra estratégica para acalmar os ânimos dos ambientalistas: a criação do Parque Nacional do Pico da Neblina, em 1979, demarcando a área como Unidade de Conservação (UC). Mas já estavam construídas as vias da infiltração exploratória. As estradas, terras colonizadas, fazendas e garimpos continuam plenamente ativos até hoje, sendo inúmeros os relatos de invasões, extrativismo ilegal, contaminação do solo e águas, além de abusos diversos frente às comunidades da região, onde vivem povos indígenas há pelo menos dois mil anos.

Quatro Terras Indígenas foram demarcadas de maneira sobreposta à Unidade de Conservação do Parque Nacional: Balaio, Cué-Cué Marabitanas, Médio Rio Negro II e Yanomami. Tanto o turismo ecológico, permitido pela UC, quanto o turismo irregular produziram um quadro catastrófico com a exposição de populações até então isoladas e o desrespeito de seus direitos humanos. Isso levou à proibição do turismo no Pico da Neblina em 2003 pelo Ministério Público Federal e pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente. Quase 20 anos depois, em 2022, o turismo voltou ao Pico – agora com a parceria dos Yanomami, que propuseram o Plano de Visitação Yaripo através da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes, e a Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma.

E é justamente na Terra Indígena Yanomami, maior reserva indígena do Brasil, que se localiza o Pico da Neblina. Yaripo é o nome que esse povo deu à montanha. Montanha não da Neblina mas do Vento, do Vendaval. O mesmo vento gerado pela passagem dos xapiri – espíritos que vivem no topo das montanhas – correndo entre os seres da mata.

Um lugar sagrado de maior importância que ressoa na voz de David Kopenawa, xamã yanomami, ao mostrar que as montanhas não “estão postas na floresta à toa, sem nenhuma razão. São casas de espíritos; casas de ancestrais. Omama as criou para isso. São muito valiosas para nós. É do topo delas que os xapiri descem para as terras baixas, por onde andam e se alimentam, como os animais que caçamos. É também de lá que eles vêm a nós quando bebemos yãkoana para chamá-los e fazê-los dançar”. (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 118)

 

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Pico da Neblina, Wind Mountain

 

The highest point in Brazil, located in an area where a Conservation Unit and the largest tract of Indigenous Land in the country overlap. The Yanomami consider it sacred and call it Yaripo: Wind Mountain, home to spirits and ancestors. // The Pico went along with developmentalist projects imposed by the military throughout surrounding lands. Amid a National Integration Plan, it witnessed the construction of roads, the implementation of farms, the encouraging of mining sites following the discovery of mineral deposits, and the colonization plans that saw massive populations transplanted into occupying the misnomer of the ‘Amazon demographic void.’

Amid resource exploration efforts throughout the region, a strategic maneuver to appease environmentalists: the creation of Pico da Neblina National Park, in 1979, demarcating the area as a Conservation Unit (CU). But by then the avenues for exploratory infiltration had already been put in place. The roads, the colonized land, the farms and mining sites remain fully active until this day, with numerous accounts of invasions, illegal extraction, soil and water contamination, and all sorts of abuse inflicted on communities in the area, which has been home to indigenous peoples for at least 2,000 years now.

Four Indigenous Land areas were demarcated overlapping the National Park Conservation Unit: Balaio, Cué-Cué Marabitanas, Médio Rio Negro II, and Yanomami. Both ecotourism, with the CU’s permission, and illegal tourism created a catastrophic situation, with the exposure of previously uncontacted populations and the violation of their human rights. This led to a ban on tourism at Pico da Neblina in 2003 by the Federal Prosecutor’s Office and the Brazilian Institute of Environment. Almost 20 years later, in 2022, the Pico reopened for tourism – this time in partnership with the Yanomami, who put forward the Yaripo Visiting Plan via the Yanomami Association of the Cauaburis River and Tributaries, and the Yanomami Kumirayoma Women’s Association.

And it is precisely within Yanomami Indigenous Land, the largest indigenous reserve in Brazil, that Pico da Neblina is located. Yaripo is how these people have named the mountain. Not Mist Mountain, but the Mountain of the Wind, of the Windstorm. The same wind that’s created by the passing of the Xapiri – spirits that live on mountaintops – as they run among the beings of the forest.

A sacred place of the utmost importance, which resonates in the voice of David Kopenawa, a Yanomami shaman, as he explains that the mountains have not been “placed within the forests randomly, for no reason. They are the homes to spirits; the homes to ancestors. Omama created them to this end. They are invaluable to us. From atop them is where the Xapiri descend onto the lower lands, where they walk and eat, just like the animals we hunt. It’s also from where they come to us whenever we sip Yãkoana to summon them and make them dance.” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 118)

Foto: Agência O GLOBO. (1)

Foto: Agência O GLOBO. (1)

Foto: Marcos Amend. (2)

Foto: Marcos Amend. (2)

Acampamento na expedição Yaripo. Foto: Marcos Amend. (3)

Acampamento na expedição Yaripo. Foto: Marcos Amend. (3)

Aldeia Ariabu, terra indígena Yanomami. Foto: Marcos Amend. (4)

Aldeia Ariabu, terra indígena Yanomami. Foto: Marcos Amend. (4)

Taxaua Jorge da Silva Figueiredo entregando Plano de Visitação ao Pico da Neblina ao Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye´kwana. Foto: Marcos Amend. (5)

Taxaua Jorge da Silva Figueiredo entregando Plano de Visitação ao Pico da Neblina ao Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye´kwana. Foto: Marcos Amend. (5)

Cildo Meireles - Entre vendo, Descortinando Realidades. Curadoria: Júlia Rebouças, Diego Matos. Catálogo mostra Sesc Pompeia. (6)

Cildo Meireles - Entre vendo, Descortinando Realidades. Curadoria: Júlia Rebouças, Diego Matos. Catálogo mostra Sesc Pompeia. (6)