Pequena África
Ana Clara Mesquita, Ana Luiza Nobre, David Sperling
RJ, Brasil
22°54'24" oeste e 43°11'47" sul.
Publicado em
22/09/2022
Atualizado em
22/09/2022
O que consta é que o pintor e compositor Heitor dos Prazeres usou o termo Pequena África referindo-se à região compreendida entre a Praça Onze, Gamboa e Saúde, no Rio de Janeiro pós Lei Eusébio de Queiroz (que proibiu o tráfico negreiro para o Brasil em 1850). Algumas décadas depois, a Pequena África passou a ser destino de escravizados libertos, ex-combatentes da Guerra de Canudos, mães de santo em fuga de perseguições políticas, bem como judeus e imigrantes em busca de emprego.
A Pequena África passa então a ser um reduto de cuidado e núcleo de apoio mútuo na manifestação da fé, dos ritos e das tradições africanas em diáspora. Um chão de acolhimento, como uma zona a salvo do desemprego, da violência e da perseguição policial.
Nesse contexto, a casa de Hilária Batista de Almeida, mais conhecida como Tia Ciata, tornou-se uma referência central. Nascida em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, em 1854, foi iniciada no candomblé em Salvador e se transferiu para o Rio de Janeiro para escapar das constantes perseguições policiais a mães de santo na Bahia.
Por ter curado as feridas do então presidente Venceslau Brás (1914-1918), recebeu como recompensa uma espécie de proteção para sua casa-terreiro na Praça Onze, que se tornou um ponto cego para as batidas policiais e repressões. Uma independência às avessas.
Nessa casa, localizada na antiga rua Visconde de Itaúna 117, ao pé do Morro da Favela, sambistas se reuniam livremente, quando a prática ainda era proibida por lei. Consta que tinha nascido aí também o primeiro samba gravado em disco – “Pelo Telefone”, de Donga e Mauro de Almeida.
A casa foi demolida para a abertura da Avenida Presidente Vargas, na década de 1940. Mas sua memória permanece vibrando no chão onde hoje ferve o carnaval de rua e os desfiles das escolas de samba. Bem perto de onde também se ergue, desde os anos 1980, o monumento a Zumbi dos Palmares, líder negro do maior dos quilombos do período colonial, cuja morte violenta é lembrada no Dia da Consciência Negra, sempre em 20 de novembro.
“Vão acabar com a Praça Onze
Não vai haver mais Escola de Samba, não vai
Chora o tamborim
Chora o morro inteiro
Favela, Salgueiro
Mangueira, Estação Primeira
Guardai os vossos pandeiros, guardai
Porque a Escola de Samba não sai
Adeus, minha Praça Onze, adeus
Já sabemos que vais desaparecer
Leva contigo a nossa recordação
Mas ficarás eternamente em nosso coração
E algum dia nova praça nós teremos
E o teu passado cantaremos”
– Herivelton Martins e Grande Otelo 1942
Entre o que há e o que já não mais existe, a Pequena África do início do séc. XXI dá contorno não só a um lugar que resiste no tempo, mas a um arquivo da persistência da cultura africana diaspórica na cidade do Rio de Janeiro.
A "Pequena África" no Rio de Janeiro - Simone Vassallo
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Referências
Casa da Tia Ciata. Disponível em: https://www.tiaciata.org.br/tia-ciata/biografia . Acessado em 23 de agosto de 2022.
IPHAN. Sítio Arqueológico Cais do Valongo. Proposta de Inscrição na Lista do Patrimônio Mundial. 2016. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie_Cais_do_Valongo_versao_Portugues.pdf . Acesso em 23 de agosto de 2022.
SIMAS, Luiz Antonio, 2016 Dos arredores das Praça Onxe aos terreiros de Oswaldo Cruz: uma cidade de pequenas Áfricas. Z Cultural Revista do Programa Avançado de Cultura Contemporânea, Ano XI. 1. semestre de 2016.
Imagem 1: https://www.tiaciata.org.br/tia-ciata/biografia
Imagem 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8: https://rioonwatch.org.br/?p=20172
Imagem 9: http://jornaldapuc.vrc.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=5334&sid=24