Pedra do Sal

Joana Martins, Ana Luiza Nobre e David Sperling

RJ, Brasil

22°53'52" oeste e 43°11'7" sul.

“Tinha na Pedra do Sal, lá na Saúde, ali que era uma casa de baianos e africanos, quando chegavam da África ou da Bahia. Da casa deles se via o navio, aí já tinha o sinal de que vinha chegando gente de lá. (...) Era uma bandeira branca, sinal de Oxalá, avisando que vinha chegando gente. A casa era no morro, era de um africano, ela chamava Tia Dada e ele Tio Ossum, eles davam agasalho, davam tudo até a pessoa se aprumar.” Carmem Teixeira da Conceição, conhecida como Tia Carmem

Publicado em
18/09/2022

Atualizado em
18/09/2022

Os tambores e pandeiros tocam, vozes cantam em coro, corpos dançam, o suor faz salgar a pele. Toda segunda-feira tem samba na Pedra do Sal.

Localizada aos pés do Morro da Conceição, no centro do Rio de Janeiro, a Pedra do Sal é uma formação rochosa de onde eram extraídas pedras para a construção civil. Um dos acessos ao morro se dá pela própria pedra, em degraus esculpidos na sua superfície. No início do século XVIII, muitos pescadores e trapicheiros moravam por ali, junto ao mar, onde se estocava o sal aportado em navios portugueses. Nas décadas seguintes, a região foi escolhida para abrigar o mercado de escravos, que se manteve ali até 1831, quando o comércio negreiro foi proibido e transferido para áreas mais afastadas. 

Foi também nessa parte da área portuária que muitos migrantes nordestinos se instalaram em busca de trabalho no movimento do cais, principalmente após a Guerra do Paraguai (1865/70). O local se transformou em reduto da diáspora baiana e africana, e várias casas de santo surgiram no morro. A presença negra era majoritária, sendo a cultura religiosa, gastronômica e musical africana celebrada em festas nas casas e nas ruas, o que levou à denominação da região como Pequena África.

O ponto de encontro entre despachos, oferendas e música é considerado o berço do samba carioca. O nome do largo onde a Pedra do Sal se situa homenageia um dos primeiros sambistas do Rio, João da Baiana, que frequentava a região junto com Donga, Pixinguinha e Tia Ciata.

A Pedra do Sal foi tombada pelo INEPAC/Instituto Estadual do Patrimônio Cultural em 1987, e tornou-se o primeiro local relacionado a religiões de matriz africana a ter esse reconhecimento no Brasil. Isso não garantiu, no entanto, a permanência da população negra que habita esse território há séculos, onde existe um quilombo reconhecido pela Fundação Palmares desde 2005. A comunidade quilombola da Pedra do Sal, composta originalmente por 50 famílias – hoje reduzidas a pouco mais de 10 -, disputa a posse dos imóveis com a Igreja, que realiza atividades filantrópicas no bairro.

Essa cidade negra, que concentra manifestações culturais historicamente perseguidas como o candomblé, o samba e a capoeira, começou a ser apagada pelas políticas higienistas e reformas urbanas do início do século XX. Os projetos reformistas se estenderam ao século XXI, bem como a expulsão dos pobres e negros das áreas centrais. As obras mais recentes, voltadas para a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016, fez disparar o preço dos aluguéis e aumentou a pressão do poder público sobre os quilombolas. Mas as rodas de samba seguem forte toda segunda-feira, ao pé da Pedra do Sal.

João da Baiana e Jota Efegê nas escadas da Pedra do Sal, na década de 1920. (1)

João da Baiana e Jota Efegê nas escadas da Pedra do Sal, na década de 1920. (1)

Foto: Gisele Messi. (2)

Foto: Gisele Messi. (2)

Foto: Gisele Messi. (3)

Foto: Gisele Messi. (3)

Roda de samba na Pedra do Sal. Foto: Alexandre Macieira/Riotur. (4)

Roda de samba na Pedra do Sal. Foto: Alexandre Macieira/Riotur. (4)

Mercado de escravos. Ilustração de J. M. Rugendas presente em seu livro ‘’Viagem Pitoresca Através do Brasil’’, publicado entre 1834 e 1839. De acordo com estudiosos, o local retratado se situa exatamente na região da Pedra do Sal. (5)

Mercado de escravos. Ilustração de J. M. Rugendas presente em seu livro ‘’Viagem Pitoresca Através do Brasil’’, publicado entre 1834 e 1839. De acordo com estudiosos, o local retratado se situa exatamente na região da Pedra do Sal. (5)

Afoxé Filhos de Ghandi, na Pedra do Sal. Acervo O Globo. (6)

Afoxé Filhos de Ghandi, na Pedra do Sal. Acervo O Globo. (6)

Tia Ciata. Foto: Divulgação do Acervo da Organização Cultural Remanescentes de Tia Ciata - ORCT. (7)

Tia Ciata. Foto: Divulgação do Acervo da Organização Cultural Remanescentes de Tia Ciata - ORCT. (7)

Documentário Roda de Samba da Pedra do Sal - 100 anos de Samba