Museu do Tesouro Real

Joana Martins, Ana Luiza Nobre e David Sperling

Lisboa, Portugal

38°42'28" leste e 9°11'51" sul.

Mas bem poderia se chamar museu do extrativismo colonial.

Publicado em
13/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

Acaso ou não, o bicentenário da Independência do Brasil coincidiu com a esperada inauguração do Museu do Tesouro Real, em Lisboa. O Palácio da Ajuda, última residência dos monarcas portugueses, já abrigava parte da coleção de jóias da coroa, ainda que toda uma ala da imponente edificação tenha permanecido inacabada por mais de dois séculos.

O corpo do museu é uma das maiores caixas fortes do mundo, com portas blindadas de cinco toneladas, vitrines à prova de balas e inúmeras câmeras de segurança. Não é para menos. O acervo de mais de mil peças engloba moedas, medalhas, jóias, insígnias e utensílios reais de valor inestimável. Algumas dessas peças viajaram junto com a corte ao Brasil, em 1808, e retornaram a Lisboa pouco antes da declaração da Independência. Outros itens permaneceram do outro lado do Atlântico durante o período regencial e retornaram ao velho mundo uma década depois, via Londres.

O domínio colonial sobre o Brasil se explicita em várias peças do museu, como o estojo da coroa real, feito em Pau-Brasil em 1817, além da própria coroa real, o cetro e o manto usado na aclamação de Dom João VI, todos confeccionados no Rio de Janeiro no mesmo ano.

Mas é na seção intitulada “Ouro e Diamantes do Brasil” que o processo de mineração-desumanização praticado ao longo de séculos por Portugal se mostra de maneira mais vertiginosa: uma pepita de ouro de 20kg, possivelmente arrancada do solo de Goiás na segunda metade do século XVIII, divide espaço com um fragmento de 35 quilates de um diamante ainda maior (138 quilates), extraído de Minas Gerais pouco depois. 

O texto curatorial não deixa de destacar a importância da descoberta das minas para a joalheria portuguesa. Exime-se de mencionar, porém, a mão-de-obra escravizada empregada na mineração ou as consequências ambientais que o extrativismo imprimiu em solo brasileiro. O papel das colônias portuguesas na formação desse tesouro sequer foi lembrado por representantes políticos que compareceram à cerimônia de abertura do museu, e fizeram questão de exaltar a monarquia pelas suas conquistas. Nenhuma repatriação seria tampouco sugerida. Coube ao presidente da Câmara de Lisboa, porém, a afirmação mais contundente: apesar da marca da escravidão que essas peças carregam, disse ele, “essa é a nossa história que devemos defender todos os dias”

 

Pepita de ouro com mais de 20kg encontrada em Goiás e que faz parte do acervo do museu. Foto: DGPC/ADF Luísa Oliveira (1)

Pepita de ouro com mais de 20kg encontrada em Goiás e que faz parte do acervo do museu. Foto: DGPC/ADF Luísa Oliveira (1)

Coroa de Dom João VI exposta no museu. Foto: Patricia de Melo Moreira/AFP (2)

Coroa de Dom João VI exposta no museu. Foto: Patricia de Melo Moreira/AFP (2)

Visitantes no museu. Foto: Patricia de Melo Moreira/AFP (3)

Visitantes no museu. Foto: Patricia de Melo Moreira/AFP (3)

Vista externa da caixa forte que abriga as joias do museu. Foto: Paulo Spranger/Global Images (4)

Vista externa da caixa forte que abriga as joias do museu. Foto: Paulo Spranger/Global Images (4)

""Santos do pau-oco’’, utilizados no contrabando de ouro no auge da mineração brasileira, no chamado Ciclo do Ouro no século XVII. (5)

Garimpo ilegal de ouro na Amazônia paraense. Foto: Gustavo Basso (6)

Garimpo ilegal de ouro na Amazônia paraense. Foto: Gustavo Basso (6)

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