Marajó
Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling
PA, Brasil
0°38'46" oeste e 49°8'55" sul.
Publicado em
30/09/2022
Atualizado em
02/12/2022
Se nas cerâmicas marajoaras pudéssemos ver o contorno talhado dos rios e o movimento desencontrado dos povos, esbarraríamos com a existência de um chão ramificado em milhares de anos.
Dizem que o primeiro contato português com o que hoje chamamos de Brasil foi justamente na Ilha de Marajó, pela frota do navegador Duarte Pacheco Pereira, em 1498. Em seu manuscrito “Esmeraldo de Situ Orbis”, ele escreveu que o monarca o enviara para descobrir o limite norte traçado pelo Tratado de Tordesilhas, “[…] passando além da grandeza do mar oceano, onde é achada e navegada uma tão grande terra firme com muitas e grandes ilhas adjacentes a ela e é grandemente povoada” (PEREIRA, 1892, p. VI).
À época, Marajó já era densamente habitada por “homens-anfíbios”, como eram descritas diferentes etnias indígenas familiares aos corpos d’água amazônicos. No entanto, apenas no século XIX descobriu-se que o arquipélago abrigara, muito antes da chegada dos europeus, uma rica cultura que hoje conhecemos como marajoara.
A descoberta arqueológica das cerâmicas marajoaras ganhou o mundo, atraindo o interesse de teóricos evolucionistas no bojo do darwinismo, que viram naqueles objetos de “cultura primitiva” um fóssil da humanidade. Extraídas do seio da terra, urnas funerárias (igaçabas), vasos e tangas ornamentadas encerravam cheiros e ritmos, como indícios de dinâmicas sociais incompreensíveis aos olhos modernos.
Ao mesmo tempo, descobriu-se que o próprio chão marajoara era cuidadosamente arquitetado. Os tesos onde as cerâmicas foram encontradas são aterros artificiais que impediram inundações em períodos de enchentes, favoreceram o assentamento humano e o cultivo do solo para uso agrícola. Junto com os canais criados para dar passagem à água, esses aterros e terraplenos – que muitas vezes se aproveitam da topografia preexistente – indicam o grau de complexidade e sofisticação técnica da sociedade marajoara.
Entre o barro e a forma moldada, diversos percursos foram traçados. Recolhidos primeiramente pelo geólogo canadense Charles Hartt em seguidas expedições ao Brasil (entre 1865 e 1878), objetos de cerâmica marajoara encontram-se hoje espalhados em coleções particulares e museus da Europa e dos Estados Unidos. Muitos exemplares abrigados no Museu Nacional, no entanto, foram perdidos no incêndio que arrasou seu acervo, em 2018. Desses restam, quando muito, imagens escaneadas. Cerâmicas digitais, que queimam como nunca.
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Referências
CULTURA Marajoara. Museu Nacional, on-line, s.d. Disponível em: . Acessado em 21 Ago. 2022.
NEVES, Eduardo Góes. Sob os tempos do equinócio: oito mil anos de história na Amazônia central (6.500 ac – 1.500 dc). Tese (Livre Docência) – Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
PEREIRA, Duarte Pacheco. Esmeraldo de Situ Orbis. Lisboa: Imprensa Nacional, 1892.
SCHAAN, Denise Pahl; MARTINS, Cristiane Pires [Orgs.]. Muito além dos campos: arqueologia e história na Amazônia Marajoara. 1. ed. Belém: GKNORONHA, 2010.
SILVA NETO, João Augusto da. Na seara das cousas indígenas: cerâmica marajoara, arte nacional e representação pictórica do índio no trânsito Belém - Rio de Janeiro (1871-1929). Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, Belém, 2014.
TOLENTINO, Bruno. Os Deuses de hoje. Rio de Janeiro: Record, 1995.