Ladeira da Misericórdia
Joana Martins, Ana Luiza Nobre e David Sperling
RJ, Brasil
22°54'22" oeste e 43°10'13" sul.
Publicado em
05/09/2022
Atualizado em
26/10/2022
A história oficial do Rio de Janeiro começa com uma disputa por terra envolvendo portugueses, franceses e indígenas. Com os colonizadores portugueses concentrados em Salvador, onde aportaram inicialmente, os franceses invadiram terras mais ao sul, em 1555, fundando a França Antártica em uma das ilhas da Baía de Guanabara. Cinco anos depois, os portugueses, com ajuda indígena, expulsaram os invasores e decidiram refundar a cidade e ocupar a região.
O núcleo inicial, que ocupava o sopé do Morro Cara de Cão, na entrada da Baía, foi transferido para outro morro com visão mais estratégica sobre o mar. Esse morro, até então conhecido como Morro do Descanso, abrigou os primeiros edifícios públicos da cidade e passou a se chamar Morro do Castelo quando nele foi construído o Forte de São Sebastião. Ao longo dos anos, as construções se expandiram para uma área mais plana e protegida entre quatro morros: Castelo, Santo Antônio, São Bento e Conceição.
No século XX, o morro que foi berço da cidade passou a ser considerado um transtorno. A reforma higienista do prefeito Pereira Passos (1902-1906) iniciou seu arrasamento para dar espaço à Avenida Central (atual Avenida Rio Branco), boulevard de inspiração parisiense que rasgou o tecido urbano colonial para que os ares da modernidade pudessem circular. E em 1922, o morro do Castelo foi definitivamente arrasado para dar lugar à exposição internacional comemorativa do centenário da independência do Brasil.
O incômodo com o morro ia muito além da sua posição geográfica. De epicentro da fundação da cidade, ele passou a residência de quase 5.000 trabalhadores pobres e descendentes de escravos. Livrar-se do morro significava também, portanto, eliminar o que ele representava, como entrave à modernização e ao progresso, justamente no momento em que se celebrava a independência com um megavento internacional no coração da capital federal.
Quem circula pela região hoje encontrará poucos vestígios do morro, além da referência toponímica. Meio escondida entre edifícios, resta porém uma pequena ladeira que termina abruptamente, sem levar a lugar algum. É a Ladeira da Misericórdia, aberta no séc XVI como primeira via pública da cidade. O calçamento em pedra irregular (conhecido como “pé de moleque”) revela a importância que teve no sistema urbano do Rio no período colonial. Mas também como a cidade foi se construindo penosamente à mão, por pessoas escravizadas. Ainda que hoje da ladeira restem apenas cerca de 30 metros de comprimento, dos 500 metros originais. E o Morro do Castelo, diluído por jatos d’água, só possa ser reencontrado sob os pés de quem caminha, muitas vezes sem o saber, sobre os inúmeros aterros da cidade.
Links Relacionados Podcast Rio Memórias - Morro do Castelo Documentário O desmonte do monte
Referências
MEMÓRIAS, Rio. Morro do Castelo. Disponível em: https://riomemorias.com.br/memoria/morro-do-castelo/. Acesso em: 06 maio 2022.
MENEZ, Alexsandro R.. Civilização versus barbárie: a destruição do Morro do Castelo no Rio de Janeiro (1905-1922). Revista Historiador, Porto Alegre, v. 6, n. 6, p. 69-81, jan. 2014. Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador/seis/6alexsandro.pdf. Acesso em: 10 maio 2022.
SIMAS, Daniele. O desmonte do Morro do Castelo. 2020. Disponível em: https://www.bn.gov.br/acontece/noticias/2020/05/desmonte-morro-castelo. Acesso em: 06 maio 2022.
WANDERLEY, Andrea. Série “O Rio de Janeiro desaparecido” VIII – A demolição do Morro do Castelo. 2019. Disponível em: https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=14030. Acesso em: 06 maio 2022.
Fonte das Imagens
Imagem 1: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Oswaldo_Cruz_passa_o_pente_fino_da_%E2%80%9CDelegacia_da_Hygiene%22_no_Morro_da_Favela.jpg
Imagem 2: https://brasilianafotografica.bn.gov.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/4668
Imagem 3: https://riomemorias.com.br/memoria/morro-do-castelo/
Imagem 4: http://www.historialivre.com/revistahistoriador/seis/6alexsandro.pdf
Imagem 5: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=030015_04&pagfis=3845
Imagem 6: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=083712&pagfis=33308