Gondwana (EN)
Marcelo Motta
Matala, Angola
14°42'13" oeste e 15°2'59" norte.
Publicado em
25/05/2022
Atualizado em
14/09/2022
Há mais de 700 milhões de anos, massas continentais entraram em rota de colisão formando um supercontinente denominado Gondwana. Esse fenômeno é um processo de longa duração e de contundência planetária, em que as placas tectônicas da crosta terrestre se movem e colidem. A intensidade do movimento é tão alta que as rochas e sedimentos são “amassados”, dobrados e sofrem um processo conhecido como metamorfismo, onde os minerais das rochas se recombinam devido à alta temperatura e pressão que sofrem. Portanto, em um único continente, as rochas e o chão da América do Sul e da África foram forjados juntos.
Após 400 milhões de anos, ocorreu então a separação dos continentes, a quebra de Gondwana e a abertura do Oceano Atlântico, finalmente criando África e América do Sul como continentes separados. Sim, entre os dois, hoje, existe um oceano com uma crosta distinta. As rochas continentais são distintas das rochas oceânicas e descontinuadas por ela. Uma marca importante dessas rochas é a presença dos derrames de basalto que ocorreram no processo de abertura oceânica. Rochas vulcânicas provenientes do magma profundo se derramaram em extensas áreas da superfície do continente Gondwana. Assim, elas estão hoje distantes, mas com encaixes perfeitos entre os dois continentes. Rochas das montanhas do Rio de Janeiro correspondem a rochas encontradas em Angola em um litoral que continua para sul, entre São Paulo Paraná, Santa Catarina e Namíbia. Entendeka na Namíbia e o Planalto do Paraná são resultados da mesma formação. Rochas basálticas escuras que ocorrem em estratos horizontais em morfologias típicas de planaltos e chapadas.
Continentes irmanados em sua formação e em sua história. Pouco mais ao norte do Rio Cunene que faz a atual fronteira entre Namíbia e Angola está a cidade de Benguela, um dos principais pontos de exportação de escravizados para o Brasil e durante mais de duzentos anos, o terceiro maior porto de embarque de escravos do Atlântico. Mais a norte, a capital Luanda e as cidades de Cabinda e Loango, todas portas para Calunga que era atravessada por escravizados por mais de 3 séculos em uma história marcada pelo horror. Raízes profundas de um processo único. Estruturas, dobramentos e metamorfismos marcados nas costas, nos calos da mão e na identidade de um povo desterritorializado e metamorfoseado culturalmente.
O quanto somos forjados sob alta temperatura e pressão de processos sociais que amalgamaram nossa existência? Quantos derrames de lava e de sangue quente marcaram os estratos na morfologia de nossa identidade? Está feita, separadas por crostas e movimentando-se tectonicamente na história, a irmanação desses continentes e desses povos. Somos nós, unidos e desunidos em uma dança que o tempo nos obriga viver. Como dirimir essas marcas? Quanto tempo de erosão é necessário para cicatrizar e suavizar as formas de existir? Quais processos são necessários para quebrar as estruturas sociais que ainda mantém os mesmos grilhões da Calunga? Desconstruir, decompor, fazer agir o tempo, intemperizar o que está ainda presente dessas reminiscências, a partir de uma sabedoria forjada nas margens, nas falhas, nas brechas que permitem emergir o que vem de dentro.
___________________________________________________________________
Gondwana
South America and Africa: continents that once were one, way before homo sapiens appeared on the planet. // Over 700 million years ago, continental masses entered a route of collision, creating a supercontinent named Gondwana. This phenomenon is a long-duration process of planetary consequences in which tectonic plates on the Earth’s crust move and collide. The intensity of the movement is such that rocks and sediments get “crumpled,” folded over, undergoing a process known as metamorphism, where rock minerals recombine under the high temperature and pressure. Thus, in one single continent, the rocks and the ground of South America and Africa were forged together.
Four hundred million years later, the continents separated as Gondwana broke apart and the Atlantic Ocean opened up, finally creating Africa and South America as separate continents. Yes, between the two there now is an ocean with a distinct crust. The continental rocks are distinct from the oceanic rocks, and the former end where the latter begin. A key feature of these rocks is the presence of basalt leaks that date back to the oceanic opening process. Volcanic rocks originating from deep magma spilled out onto extensive areas of the surface of the Gondwana continent. Thus, they are now far apart, yet the two continents fit one another perfectly. Rocks from mountains in Rio de Janeiro match those found in Angola, along a coastline that runs further south, between São Paulo, Paraná, Santa Catarina and Namibia. Entendeka, in Namibia, and the Paraná Plateau are results of the same formation. Dark basaltic rocks which occur in horizontal strata, in morphologies typical of plateau and high plain areas.
Brotherly continents in formation and history. A bit north of the Cunene River, which currently marks the Namibia-Angola border, lies the city of Benguela, a key slave shipping outpost to Brazil which for over two hundred years was the third biggest slave port on the Atlantic. Further north, the capital Luanda and the cities of Cabinda and Loango, all of which were gateways into Kalunga, where slaves would go across for over 3 centuries, in a history riddled with horror. Deep roots of a unique process. Structures, folds, and metamorphisms marked on the backs, hand calluses and identities of a people de-territorialized and culturally metamorphosed.
To what extent are we forged under the high temperature and pressure of social processes that have amalgamated our existence? How many lava and hot blood spills have marked the strata on the morphology of our identity? Separated by crusts and moving tectonically through history, the brotherhood of these continents and these peoples has come to pass. It is us, united and disunited in a dance which time forces us to live through. How does one stamp out these marks? How much erosion does it take to heal and soften the ways of existing? What processes are needed to break the social structures that keep those same shackles of Kalunga in place? To deconstruct, to decompose, to cause time to act, to erode whatever remains of those reminiscences, through wisdom forged on the margins, on the faults, in the gaps that allow what comes from within to emerge.
Referências
Imagem 1: https://www.researchgate.net/publication/291321428_Almeida_et_al_2013_Guia_de_campo_Alto_de_Cabo_Frio_BGP
Imagem 2: Foto: Marcelo Motta
Imagem 3:Foto: Marcelo Motta
Imagem 4: Foto Marcelo Motta
Imagem 5: https://www.sohistoria.com.br/ef2/culturaafro/p5.php#:~:text=As%20quatro%20principais%20rotas%20dos,sobas%20africanos%20para%20esse%20fim.