Estrada Real
Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling
RJ, Brasil
22°24'11" oeste e 43°7'47" sul.
Publicado em
14/09/2022
Atualizado em
02/12/2022
Pelo caminho, vão os bandeirantes e garimpeiros, os príncipes e coronéis, os mercadores e tropeiros, os padres e cientistas, os senhores e os escravos. Delimitar um caminho é como escrever uma lei no chão. Quem o concebe, decidirá uma fração do destino dos que por ali passam.
Assim é a Estrada Real, onde se escreveu boa parte da história do Brasil. No final do século XVII, com a descoberta dos depósitos auríferos nas Minas Gerais, muitas estradas foram abertas com a função de alcançar as jazidas. A Estrada Real é formada, na verdade, por vários caminhos abertos oficialmente pela Coroa, cuja principal função era interligar as minas de ouro e diamante aos postos marítimos, garantindo assim o escoamento das riquezas para Portugal.
O primeiro desses percursos, chamado de Caminho Velho, ligava Vila Rica (atual Ouro Preto) ao porto de Paraty. A viagem era árdua e podia durar meses. De modo a encurtar o percurso até o Rio de Janeiro, o governador da capitania, Artur de Sá Menezes, encomendou ao bandeirante Garcia Rodrigues Paes o Caminho Novo. Autorizado pela Coroa Portuguesa, esse caminho oferecia um trajeto bem menor, que podia ser percorrido em menos de 30 dias. Seguindo ao Norte, o Caminho dos Diamantes conectava Ouro Preto a Diamantina, fonte de pedras preciosas.
Os caminhos da Estrada Real funcionavam também como infraestrutura de controle fiscal sobre as riquezas trafegáveis. Sair da Estrada Real, abrindo novos trajetos ou transitando por outros já existentes, indicava extravio e contrabando do ouro. Daí a origem do termo “descaminho” para indicar um crime tributário no Brasil.
Foi com o Caminho Novo que o Rio de Janeiro assumiu centralidade no escoamento das riquezas em relação a outros percursos possíveis, como o Caminho da Bahia. O que levou à transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763.
Determinante no Ciclo do Ouro, a Estrada Real – hoje a maior rota turística do Brasil, com 1600 km de extensão – exerceu um importante papel no ordenamento do território brasileiro, na formação de núcleos populacionais e no deslocamento da centralidade econômica e política da colônia. Algumas das primeiras expedições científicas de exploradores europeus no interior do Brasil também partiram desses caminhos. O botânico francês Auguste de Saint-Hilare, por exemplo, descreveu sua jornada na Viagem pelas Províncias de Rio de Janeiro e Minas Geraes, e coletou mais de 30 mil amostras animais e vegetais que deram corpo à obra Flora brasiliae meridionalis. O mesmo ocorreu com a publicação dos quarenta volumes da Flora Brasiliensis, pelos naturalistas alemães Von Martius, Eichler e Urban.
Nas ilustrações do pintor austríaco Thomas Ender, que acompanhou Von Martius e Von Spix em sua Viagem pelo Brasil (1817-1820), é possível identificar vários pontos da Estrada Real. Num deles vê-se uma paisagem montanhesca tomada de lírios arbóreos margeando o Caminho Novo, na Serra do Ouro Branco. Os lírios não estão ali por acaso. São “[…] tidos pelo povo como sinal característico da riqueza dum terreno em ouro e diamantes” (SPIX; MARTIUS, 2017, p. 259), e expressam a voracidade extrativista que circula pela Estrada Real.
Referências
CALAES, Gilberto Dias; OLIVEIRA, Laíce Calaes [Eds.]. A Estrada Real e a transferência da corte portuguesa: programa RUMYS, projeto estrada real. Rio de Janeiro: CETEM/MCT/CNPQ/CYTED, 2009. 228 p. Disponível em: . Acessado em 19 Mai. 2022.
CARVALHO, Francisco de Assis. A Memória toponímica da Estrada Real e os escritos dos viajantes naturalistas dos séculos XVIII e XIX. In: I Simpósio Brasileiro de Cartografia Histórica. Anais... Paraty, 2021. Disponível em: . Acessado em 19 Mai. 2022.
DANIELLE MUCIDA, Danielle; AMADOR, Luciano; SALGADO, Hebert Canela. Caminho Saint Hilaire: um resgate da história sob olhar de um naturalista. O Eco, [on-line], 10 de setembro de 2021. Disponível em: . Acessado em 19 Mai. 2022.
MARQUES, Daniel Anilton Duarte. Estrada Real: patrimônio cultural de Minas Gerais (?) – um estudo de Diamantina e Serro. Dissertação (Mestrado em Turismo) – Universidade de Brasília. 271f. Brasília, Distrito Federal, 2009.
PASSEIO por Minas Gerais com os viajantes. Brasiliana Iconográfica, [on-line], 29 Mar. 2022. Disponível em: . Acessado em 19 Mai. 2022.
SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp. Viagem pelo Brasil (1817-1820). Trad. Lúcia Furquim Lahmeyer. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2017.
Imagem 1: https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/19065/vallis-velloziis-arborescentibus-consita-in-morro-do-gravier-prov-minarum
Imagem 2: https://www.brasilianaiconografica.art.br/artigos/23408/passeio-por-minas-gerais-com-os-viajantes
Imagem 3: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/573547/000970489_Pluto_brasiliensis.pdf
Imagem 4: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a8/Flora_Brasiliae_meridionalis_%28IA_mobot31753002771605%29.pdf
Imagem 5: https://suzukimotos.com.br/blog/2018/06/a-estrada-real-em-duas-rodas/
Imagem 6: https://guiadaestrada.com.br/caminho-velho-estrada-real/