Estrada Real

Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling

RJ, Brasil

22°24'11" oeste e 43°7'47" sul.

“Não foi para formar estabelecimentos rurais que os portugueses se embrenharam pelo interior das terras; iam à procura de ouro e pouca gente queria estacionar em uma estrada que conduzia à riqueza.” (SAINT-HILAIRE, 1938[1830], p. 68).

Publicado em
14/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

Pelo caminho, vão os bandeirantes e garimpeiros, os príncipes e coronéis, os mercadores e tropeiros, os padres e cientistas, os senhores e os escravos. Delimitar um caminho é como escrever uma lei no chão. Quem o concebe, decidirá uma fração do destino dos que por ali passam. 

Assim é a Estrada Real, onde se escreveu boa parte da história do Brasil. No final do século XVII, com a descoberta dos depósitos auríferos nas Minas Gerais, muitas estradas foram abertas com a função de alcançar as jazidas. A Estrada Real é formada, na verdade, por vários caminhos abertos oficialmente pela Coroa, cuja principal função era interligar as minas de ouro e diamante aos postos marítimos, garantindo assim o escoamento das riquezas para Portugal. 

O primeiro desses percursos, chamado de Caminho Velho, ligava Vila Rica (atual Ouro Preto) ao porto de Paraty. A viagem era árdua e podia durar meses. De modo a encurtar o percurso até o Rio de Janeiro, o governador da capitania, Artur de Sá Menezes, encomendou ao bandeirante Garcia Rodrigues Paes o Caminho Novo. Autorizado pela Coroa Portuguesa, esse caminho oferecia um trajeto bem menor, que podia ser percorrido em menos de 30 dias. Seguindo ao Norte, o Caminho dos Diamantes conectava Ouro Preto a Diamantina, fonte de pedras preciosas.

Os caminhos da Estrada Real funcionavam também como infraestrutura de controle fiscal sobre as riquezas trafegáveis. Sair da Estrada Real, abrindo novos trajetos ou transitando por outros já existentes, indicava extravio e contrabando do ouro. Daí a origem do termo “descaminho” para indicar um crime tributário no Brasil.

Foi com o Caminho Novo que o Rio de Janeiro assumiu centralidade no escoamento das riquezas em relação a outros percursos possíveis, como o Caminho da Bahia. O que levou à transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763.

Determinante no Ciclo do Ouro, a Estrada Real – hoje a maior rota turística do Brasil, com 1600 km de extensão – exerceu um importante papel no ordenamento do território brasileiro, na formação de núcleos populacionais e no deslocamento da centralidade econômica e política da colônia. Algumas das primeiras expedições científicas de exploradores europeus no interior do Brasil também partiram desses caminhos. O botânico francês Auguste de Saint-Hilare, por exemplo, descreveu sua jornada na Viagem pelas Províncias de Rio de Janeiro e Minas Geraes, e coletou mais de 30 mil amostras animais e vegetais que deram corpo à obra Flora brasiliae meridionalis. O mesmo ocorreu com a publicação dos quarenta volumes da Flora Brasiliensis, pelos naturalistas alemães Von Martius, Eichler e Urban. 

Nas ilustrações do pintor austríaco Thomas Ender, que acompanhou Von Martius e Von Spix em sua Viagem pelo Brasil (1817-1820), é possível identificar vários pontos da Estrada Real. Num deles vê-se uma paisagem montanhesca tomada de lírios arbóreos margeando o Caminho Novo, na Serra do Ouro Branco. Os lírios não estão ali por acaso. São “[…] tidos pelo povo como sinal característico da riqueza dum terreno em ouro e diamantes” (SPIX; MARTIUS, 2017, p. 259), e expressam a voracidade extrativista que circula pela Estrada Real.

Um vale semeado de velosiáceas arborescentes no Morro do Gravier, Província das Minas Gerais. (1)

Um vale semeado de velosiáceas arborescentes no Morro do Gravier, Província das Minas Gerais. (1)

Serra Ouro-Branco. dans la province de Minas Geraës. (2)

Serra Ouro-Branco. dans la province de Minas Geraës. (2)

Vila Rica (Ouro Preto) em 1821. (3)

Vila Rica (Ouro Preto) em 1821. (3)

Obra em três volumes com 24 partes que foi escrita por Augustin Saint-Hilaire entre os anos 1825-1832 e que contém 592 lâminas em cor, onde se descreve a flora do Brasil. (4)

Obra em três volumes com 24 partes que foi escrita por Augustin Saint-Hilaire entre os anos 1825-1832 e que contém 592 lâminas em cor, onde se descreve a flora do Brasil. (4)

A Estrada Real é a maior rota turística do país, com mais de 1.630 quilômetros de extensão que passa por Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Foto: suzuki Motos. (5)

A Estrada Real é a maior rota turística do país, com mais de 1.630 quilômetros de extensão que passa por Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Foto: suzuki Motos. (5)

Fonte: wikipedia.org (6)

Fonte: wikipedia.org (6)