Dragão do Mar

Joana Martins, Ana Luiza Nobre e David Sperling

CE, Brasil

3°43'2" oeste e 38°31'13" sul.

A despavimentação do Porto de Fortaleza acirrou as pressões abolicionistas e fez com que a província do Ceará fosse a primeira a abolir a escravidão, em 1884.

Publicado em
05/10/2022

Atualizado em
05/10/2022

Com a proibição do comércio atlântico de escravizados pela Lei Eusébio de Queirós, em 1850, o tráfico interno ganha força e o Nordeste se torna a principal fonte de capital humano para o Sudeste do Brasil.

O aumento da movimentação de escravizados no porto de Fortaleza fez aumentar a inquietação de trabalhadores como Chico da Matilde, como era conhecido o jangadeiro Francisco José do Nascimento. Apesar de ser um homem livre, ele convivia desde pequeno com traficantes e cativos, testemunhando os horrores da escravidão.

Em janeiro de 1881, um grande navio se preparava para embarcar os escravizados em direção ao sul do país, porém não encontrou jangadeiros no porto para fazer o traslado até as embarcações. Dias depois, nova operação foi frustrada pela ausência de jangadeiros, com apoio da população local. Em agosto do mesmo ano, duas cativas compradas em Fortaleza foram impedidas de embarcar. Liderados por Chico da Matilde, os jangadeiros dessa vez também retiraram o calçamento para dificultar o acesso ao porto. Assim conseguiram libertar as cativas e deixar claro aos comerciantes que o sistema escravista não tinha saída.

Algo novo emergia no porto de Fortaleza, como um dragão do mar. Chico da Matilde tornou-se uma liderança no movimento abolicionista, composto até então majoritariamente pela elite branca.

Encorajados pelas paralisações, os abolicionistas escolheram a cidade do Ceará com o menor número de cativos para ser a pioneira na abolição: a vila do Acarape alforriou seus cativos em 1883, alterando seu nome posteriormente para Redenção. A partir daí o movimento se espalhou por outras cidades chegando à Fortaleza no dia 25 de março de 1884, com uma grande festa pela liberdade.

Ainda que o vanguardismo cearense não fosse acompanhado por mudanças sociais profundas para os negros, o Ceará passou a ser conhecido como “Terra da Luz”, porque ali encontrava-se a alforria.

Aclamado como herói negro, Chico da Matilde foi levado ao Rio de Janeiro junto com sua jangada, a Liberdade. A chegada do “Dragão do Mar” foi ovacionada pelos abolicionistas da capital, e a Liberdade carregada pelas ruas da cidade, em festa.

 

Sociedade Cearense Libertadora. No grupo ao fundo, da direita para esquerda, o segundo homem é Chico da Matilde. (1)

Sociedade Cearense Libertadora. No grupo ao fundo, da direita para esquerda, o segundo homem é Chico da Matilde. (1)

Página do jornal ‘’Libertador’’, publicado em 1884 pela Sociedade Cearense Libertadora. Fonte: Acervo Biblioteca Nacional. (2)

Página do jornal ‘’Libertador’’, publicado em 1884 pela Sociedade Cearense Libertadora. Fonte: Acervo Biblioteca Nacional. (2)

’’Cimabue’s Celebrated Madonna is carried in Procession through the Streets of Florence’’, de Frederic Leighton, 1853-5. Fonte: Wikimedia Commons. (3)

’’Cimabue’s Celebrated Madonna is carried in Procession through the Streets of Florence’’, de Frederic Leighton, 1853-5. Fonte: Wikimedia Commons. (3)

Dragão do Mar e a história da abolição no Ceará