Centro Geodésico do Brasil

Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling

TO, Brasil

10°11'3" oeste e 48°19'59" sul.

O Brasil tem um centro?

Publicado em
05/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

O mapa não é o território, assim como a geodésia não é a superfície.

Em Palmas, Tocantins, ergue-se um monumento que marca o centro geodésico do Brasil. Seria o ponto central dentro de uma rede de coordenadas que constituem o Sistema Geodésico Brasileiro, a referência espacial oficial do país. Dos pontos geodésicos dependem os suportes cartográficos, topográficos e cadastrais, o conhecimento das fronteiras, das formas e extensões da superfície terrestre. 

No sistema geodésico atual, que visa diminuir as distorções representacionais do elipsoide que simula o formato do planeta, os pontos são captados por um conjunto tridimensional de eixos, que adiciona volume a esse corpo celeste assimétrico e irregular. Essa rede de pontos abstratos e de alta precisão é materializada e cravada no chão por meio de marcos geodésicos tidos como monumentos.

Um desses pontos se situa no hall de entrada do Palácio do Araguaia, sede do poder executivo do estado de Tocantins. Ali, uma rosa dos ventos inscrita no chão marca, supostamente, o centro do Brasil.

A imagem representativa dos pontos cardeais é reproduzida em escala urbana no piso em pedra portuguesa na praça em frente ao palácio, com uso de grafismos indígenas das etnias Apinajé, Khahô e Xambioá, que habitam a região. No centro da rosa foi ainda inserido, no ano de 2000, o chamado “Monumento à Bíblia”: uma estrutura circular de granito que lembra uma pessoa erguendo aos céus o livro sagrado, onde se lê: “Deus enviou o seu filho não para condenar, mas para salvar o mundo”. Instalados sobre os traços indígenas que permanecem em posição inferior, gesto e frase reiteram a celebração das investidas colonizadoras/catequizadoras que marcam a história do Brasil.

Não há bases científicas que comprovem a localização de um centro geodésico no local. Os relatórios do Anuário Estatístico do Brasil, entre os anos de 1994 e 2000, indicam que o país possui “como centro geodésico as coordenadas 10°35′ de latitude sul e 52°40′ a oeste de Greenwich” – coordenadas localizadas em São José do Xingu, no Mato Grosso. Após os anos 2000, entretanto, nenhuma informação sobre o centro geodésico do país consta nos anuários. 

Mas o marco instalado em Palmas segue atraindo turistas e cumprindo sua função simbólica, em correspondência com o projeto político que levou à criação, em 1989, da capital mais nova do país, a partir do território desmembrado do norte de Goiás. Tal qual o mapa-múndi de Mercator que distorceu o tamanho dos continentes para favorecer a Europa no período das chamadas “Grandes Navegações”, a definição da centralidade geodésica brasileira segue expressando, assim, os interesses daqueles que a forjaram.

Rosa dos ventos com grafismo indígena e, em seu centro, o Monumento à Bíblia. (1)

Rosa dos ventos com grafismo indígena e, em seu centro, o Monumento à Bíblia. (1)

Mapa das Redes do Sistema Geodésico Brasileiro, 2020. Fonte: IBGE. (2)

Mapa das Redes do Sistema Geodésico Brasileiro, 2020. Fonte: IBGE. (2)

Monumento à Bíblia na Praça dos Girassóis, em Palmas. Foto: José Rodolpho Assenço. (3)

Monumento à Bíblia na Praça dos Girassóis, em Palmas. Foto: José Rodolpho Assenço. (3)

Palácio do Araguaia, na direção Sul da rosa dos ventos representada no piso. Foto: José Rodolpho Assenço. (4)

Palácio do Araguaia, na direção Sul da rosa dos ventos representada no piso. Foto: José Rodolpho Assenço. (4)

Vista aérea da Praça dos Girassóis. Foto: Márcio Di Pietro/Governo de Tocantins. (5)

Vista aérea da Praça dos Girassóis. Foto: Márcio Di Pietro/Governo de Tocantins. (5)

Siqueira Campos sobrevoando o atual Tocantins. Foto: Márcio Di Pietro. (6)

Siqueira Campos sobrevoando o atual Tocantins. Foto: Márcio Di Pietro. (6)

Documentário PALMAS 2000