Baobá Maria Gorda

Joana Martins, Ana Luiza Nobre e David Sperling

RJ, Brasil

22°45'30" oeste e 43°6'30" sul.

“Raiz imponente da primeira semente / Nós temos muito em comum / O elo sagrado de Ayê e Orum / Casa pra se respeitar, meu baobá” Trecho do samba enredo “Igi Osè Baobá” , do Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, 2022

Publicado em
05/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

Conta a lenda que Maria Apolinária, a Gorda, era escrava de um senhor que morava na Ilha de Paquetá, Rio de Janeiro. Maria não entendia como os senhores moravam em casas construídas por escravos, comiam a comida feita por escravos e tinham seus filhos cuidados por escravos, mas não reconheciam ou valorizavam seu trabalho. Para ela, era preciso haver algum registro da sua passagem e contribuição. Ela mesma queria deixar uma marca e pedia aos orixás para ficar eternizada na terra. Um dia, a cama de Maria amanheceu vazia e brotou um baobá bem em frente à casa onde ela trabalhava, na Praia dos Tamoios.

O baobá de quase 4 séculos na praia de nome indígena foi tombado pelo INEPAC / Instituto Estadual do Patrimônio Cultural em 1967, junto com outras 10 árvores de espécies diferentes, por seu valor na paisagem cultural da ilha que tanto encantou D. João VI e abrigou José Bonifácio – um dos principais articuladores da Independência do Brasil – em seu exílio. Hoje, o Baobá Maria Gorda é um ponto turístico da ilha. Dizem que dá sorte a quem fizer carinho em seu tronco e sete anos de azar a quem o maltratar. 

Se foi plantado por alguém ou se é a reencarnação da escrava ninguém pode confirmar. Mas a árvore é considerada uma espécie sagrada por escravizados africanos que provavelmente trouxeram consigo as sementes ao Brasil, nos navios negreiros.

Existem nove espécies de baobás, a maioria delas nativas da ilha de Madagascar. Os Adansonia digitata L., baobabs, embondeiros ou calabaceiras são caracterizados por seus troncos largos e retos, que podem ter até 40 metros de circunferência, passar de 25 metros de altura e armazenar grandes quantidades de água, servindo de cisternas se escavados corretamente. Podem viver por milênios de anos e sua casca, folha e fruto são medicinais.

O baobá tem forte valor simbólico e espiritual para diferentes nações africanas: significa o feminino, a vida, a sabedoria, a proteção, a ancestralidade e a longevidade. Seu grande tronco, quando oco, pode servir ao mesmo tempo de abrigo e túmulo. É usado em cerimônias de religiões de matriz africana e representa, no Brasil, uma conexão com a terra africana.

Diante da popularidade do Baobá Maria Gorda, o coletivo Plantar Paquetá, formado por moradores locais, plantou outro baobá na ilha, apelidado de João Gordo, em 2013. Ele cresceu sob cuidados dos moradores e chegou a 7 metros de altura até ser vandalizado e cortado, em 2020, num crime ambiental com possíveis motivações de racismo religioso. Mas os moradores se uniram nos esforços e conseguiram fazê-lo rebrotar e resistir à violência.

Parte da árvore cortada foi encontrada boiando na Baía de Guanabara e doada à Escola de Samba Portela, que enalteceu os baobás como enredo do seu desfile de carnaval em 2022. A árvore foi replantada em 2020 no Parque Madureira, bairro da escola, e agora, assim como sua ancestral Maria Gorda, vai deitando raízes no chão de um dos mais vibrantes subúrbios cariocas.

Baobá Maria Gorda. Foto: Gisele Rocha. (1)

Baobá Maria Gorda. Foto: Gisele Rocha. (1)

Baobá João Gordo, após 7 anos de crescimento. Foto: Plantar Paquetá. (2)

Baobá João Gordo, após 7 anos de crescimento. Foto: Plantar Paquetá. (2)

Baobá João Gordo vandalizado. Foto: Plantar Paquetá. (3)

Baobá João Gordo vandalizado. Foto: Plantar Paquetá. (3)

Placa fixada ao baobá Maria Gorda. (4)

Placa fixada ao baobá Maria Gorda. (4)

Placa fixada ao baobá João Gordo. (5)

Placa fixada ao baobá João Gordo. (5)

Baobás em sua terra nativa. (6)

Baobás em sua terra nativa. (6)

Colheita de frutos do baobá na África. (7)

Colheita de frutos do baobá na África. (7)