Avenida Rio das Pedras

A Rio das Pedras é uma importante avenida comercial no Jardim Aricanduva, na Zona Leste de São Paulo. Concentra a venda de produtos e serviços automotivos na região e é destino de quem busca um bom negócio depois de uma batida, um problema mecânico ou mesmo depois de ter um carro roubado. Nas margens da avenida, há oficinas mecânicas, lojas de acessórios, venda de usados e batidos, mas principalmente autopeças e desmanches automotivos. Essas lojas concorrem entre si pelos clientes, mas também se associam na busca da proteção de seus nichos de mercado. 

O trânsito acelerado dos carros que cortam a via reflete a mesma velocidade com que carros e suas partes chegam e saem do território, mas principalmente com que são desmanchados e comercializados lojas de peças avulsas, que se avolumam nas calçadas. Pode-se andar mais de um quilômetro pela avenida, acompanhando a sequência quase ininterrupta desse comércio. Os galpões se abrem para as ruas, raramente intervalados por outro tipo de comércio, ainda assim funcionais a quem trabalha com carros: financeiras, seguros, despachantes etc.

O transeunte desavisado pode não notar, mas quem conhece o mercado de veículos sabe que esses estabelecimentos são destino privilegiado de um carro roubado (com violência) ou furtado (sem o uso da força) nas ruas de São Paulo – cidade que concentra 45% dos roubos e furtos de veículos do Brasil, tendo 23% da frota. São esses veículos ilegais que rebaixam os preços médios das vendas praticadas na Avenida, muito atrativos à clientela – particulares, mecânicos e representantes comerciais. Fala-se pouco, em geral, sobre o fenômeno da territorialização dos mercados ilegais. Práticas silenciosas que reforçam estigmas territoriais, os quais recaem sobre quem vive na região e sobre o preço da terra.  

Os desmanches automotivos, estabelecimentos historicamente presentes na metrópole e tradicionalmente criminalizados, passaram por regulamentação no início da última década. A Lei do Desmanche – Lei Estadual nº 12.977/2014, aprovada em 2014 – modificou a paisagem local, trazendo vários comerciantes à legalidade ou ao menos a uma fachada legal. A partir da implementação da lei, instituíram-se oficialmente requisitos técnicos, burocráticos e legais para o funcionamento formal de um desmanche na cidade – vindo a produzir classificações e processos de criminalização diferencial. Em algumas partes da cidade, concentraram-se os desmanches legais, alguns deles respeitando todas as normas técnicas vigentes, com estética de grandes empresas transnacionais. Em outras regiões, ficam os desmanches com fachada legal, ainda que passíveis de serem identificados com uma série de ilegalidades. 

Na avenida Rio das Pedras, concentram-se os mais abertamente informais. Além disso, outros mercados a eles se associam, inclusive o eleitoral. A avenida é comumente palco de operações da polícia civil ou militar, algumas delas televisionadas nos programas policiais vespertinos, ainda mais intensamente em ano eleitoral. Enquanto o estigma territorial dificulta a vida de uns, cria oportunidade para outros. 

Em seus mais de 4 km, a Avenida Rio das Pedras possui uma infinidade de cruzamentos – todos eles com matérias e processos de que é feito o Brasil: (in)formalidades, (i)legalidades, (des)territorialidades, (in)dependências. Desmanchar: ato ou efeito de desfazer, desarranjar, descompor, deslocar, desmontar, desmantelar, inutilizar, demolir.