Bracuhy: Quilombo e Aldeia
Joana Martins, Ana Luiza Nobre e David Sperling
RJ, Brasil
22°55'7" oeste e 44°24'4" sul.
Publicado em
22/09/2022
Atualizado em
02/12/2022
No litoral de águas calmas e verdes ao sul da Província do Rio de Janeiro, onde hoje está a cidade de Angra dos Reis, se localizavam grandes latifúndios no século XIX. O local era propício para o desembarque de navios negreiros. A Fazenda Santa Rita do Bracuhy, do comendador José de Souza Breves, era uma das maiores da região e tinha um cais próprio para desembarque dos escravizados. Além de café, produzia cachaça para abastecer os navios que iam e vinham da África. Por um caminho de terra, subindo a serra, também passavam por ali escravizados em direção às plantações de café do Vale do Paraíba e de Bananal.
A partir de 1850, com a proibição do tráfico negreiro no Brasil, o comércio seguiu de maneira ilegal em portos e praias mais afastadas dos centros urbanos. Dois anos depois, registrou-se o desembarque de 540 africanos procedentes de Moçambique na fazenda – no que talvez tenha sido o último navio negreiro a aportar ali. A pressão crescente contra o comércio de escravizados acabou por esvaziar as atividades das fazendas litorâneas, enquanto na região serrana as fazendas cafeeiras prosperavam.
Cerca de 500 hectares da fazenda Santa Rita foram deixados em testamento por José Breves para aqueles que ali viviam, majoritariamente escravizados e libertos. Um ato tão incomum quanto suspeitoso do fazendeiro escravocrata, já que as terras estavam então praticamente abandonadas.
Um século depois, com a valorização turística da região e a abertura da rodovia Rio-Santos, os filhos e netos dos ex-escravizados começaram a ser coagidos e expulsos por grileiros e empreiteiras. O represamento do rio Bracuhy, usado pela comunidade, e a dificuldade em comprovar a propriedade da terra levaram muitas famílias a abandonar o quilombo. Com a área produtiva reduzida, muitos remanescentes foram procurar empregos na cidade, em condomínios luxuosos construídos em áreas invadidas do terreno quilombola.
Desde 2006, a Associação dos Remanescentes do Quilombo de Santa Rita do Bracuí vem recuperando as tradições culturais da comunidade, como o Jongo, uma dança africana de origem Bantu. Em 1999, a comunidade foi reconhecida como remanescente quilombola, mas ainda luta pela garantia da posse coletiva da terra.
Subindo a Serra do Mar, não longe dali, ameaças e resistências se repetem na terra indígena Guarani do Bracuhy, homologada e demarcada em 1995, com cerca de 2 mil hectares. Hoje, a população da aldeia chega a 350 pessoas, sendo a maioria crianças. A língua corrente é o Guarani, ensinado junto com o português na escola local. Os indígenas plantam uma variedade de alimentos, mas não conseguem garantir sua subsistência sem os alimentos industrializados comprados na cidade.
Indígenas ameaçados, negros sem direitos, brancos no poder e disputas por terra. Nesse pedaço de chão, entre o mar e a montanha, vai sendo escrita a história do que entendemos como Brasil.
Passados Presentes: memória negra no sul fluminense
Bracuí - Velhas Lutas, Jovens Histórias
Angra dos Reis - Consciência Quilombola
Referências
ABREU, Martha; MATTOS, Hebe. LMT#109: Quilombo do Bracuí, Angra dos Reis (RJ). Disponível em: https://lehmt.org/lmt109-quilombo-do-bracui-angra-dos-reis-rj-martha-abreu-e-hebe-mattos/. Acesso em: 08 jun. 2022.
ICMBio. Oo Guarani no Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/cairucu/visitacao/atrativos-culturais.html?start=2. Acesso em: 08 jun. 2022.
Mapa dos Conflitos. RJ – Apesar de reconhecidos oficialmente, quilombolas de Santa Rita do Bracuí continuam a lutar contra empresa que tomou seu território. Disponível em: http://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/conflito/rj-apesar-de-reconhecidos-oficialmente-quilombolas-de-santa-rita-do-bracui-continuam-a-lutar-contra-empresa-que-tomou-seu-territorio/. Acesso em: 08 jun. 2022.
LOURENÇO, Thiago Campos Pessoa. O império dos Souza Breves nos Oitocentos: política e escravidão nas trajetórias dos comendadores Jose e Joaquim de Souza Breves. 2010. 188 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010.
Passados Presentes. Quilombo do Bracuí. Disponível em: http://passadospresentes.com.br/site/Site/index.php. Acesso em: 08 jun. 2022.
Secretaria de Estado de Cultura RJ. QUILOMBO SANTA RITA DO BRACUÍ. Disponível em: https://mapadecultura.com.br/manchete/quilombo-santa-rita-do-bracui. Acesso em: 08 jun. 2022
Terras Indígenas no Brasil. Terra Indígena Guarani do Bracuí. Disponível em: https://terrasindigenas.org.br/en/terras-indigenas/3676. Acesso em: 08 jun. 2022.
Imagem 1: https://www.facebook.com/quilombobracui/photos/2519222928133663
Imagem 2: https://conversadehistoriadoras.com/2018/06/17/um-dia-fundamental-vida-longa-ao-quilombo-do-bracui/
Imagem 3: https://www.angra.rj.gov.br/noticia.asp?vid_noticia=25241&IndexSigla=imp