Mineração Taboca

Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling

AM, Brasil

0°44'47" oeste e 60°5'35" sul.

“Taboka Tikiriya paktana. Mudu kererema. Yarawoma. Taboka tikiriya patana." (Taboca foi no lugar onde Tikiriya morava. A casa toda furada. Parede caiu. Taboca foi no lugar onde Tikiriya morava.) Extraído de desenho de Viana Wome, 14 de maio de 1986.

Publicado em
22/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

Por que Kamña matou Kiña? Em 1985, quando os professores Egydio e Doroti Schwade começaram a utilizar um método de alfabetização baseado em Paulo Freire junto aos Waimiri-Atroari, na aldeia Yawará em Roraima, essa foi a pergunta que mais escutaram. Kiña é como os Waimiri-Atroari se autodenominam. Kamña é como denominam os homens brancos civilizados. 

Utilizando desenhos do cotidiano dos indígenas no processo de ensino-aprendizagem, os professores se depararam com um verdadeiro cenário de guerra. Os Atroari desenharam aviões sobrevoando árvores. Homens atirando com espingardas. Helicópteros despejando bombas. Homens fardados. Aldeias destruídas. Era a primeira versão dada por esse povo de um genocídio que acontecia há pelo menos 10 anos e que já exterminara mais de dois mil indígenas. Na aldeia Yawará, viviam 31 sobreviventes.

O Comitê Estadual de Direito à Verdade, à Memória e à Justiça do Amazonas buscou responder à pergunta dos Waimiri-Atroari num relatório de 2012. Chegou à conclusão de que os Kamña eram jagunços, contratados pela empresa paramilitar Sacopan, e soldados do próprio Exército Brasileiro.

O governo militar utilizou desde aparatos bélicos até armas biológicas para dizimar os povos indígenas que resistiram às invasões de seus territórios. Com a Operação Atroari, os militares espalharam panfletos sugerindo que havia guerrilheiros entre eles. O motivo? Justificar a abertura da rodovia BR-174 (Manaus-Boa Vista), mesmo que por cima de aldeias destruídas.

Ainda durante a construção da rodovia, em 1969, o Grupo Paranapanema invadiu o território indígena, conquistando posteriormente os direitos minerários sobre essas terras e fundando a Mineração Taboca, que extrai da terra a cassiterita e a columbita. A postura entreguista do governo, inclusive da própria Fundação Nacional do Índio/Funai, se tornava nítida. A demarcação do território indígena dos Waimiri-Atroari, a partir de 1971, foi alvo de uma série de decretos que, além de desconsiderar boa parcela do histórico de despossessão desse povo, modificou a demarcação a favor de interesses privados. Em área convenientemente deixada de fora da demarcação, ao leste, construiu-se em 1982 a Vila de Pitinga, uma espécie de “company town” no município de Presidente Figueiredo (AM) para atender à Mineração Taboca.

A mesma postura de favorecimentos privados se deu no caso da instalação das usinas hidrelétricas de Pitinga (autorizada em 1986) e Balbina (autorizada em 1981). Ainda em 1986, dois líderes Waimori-Atroari escreveram uma carta endereçada ao então Presidente da República, ao Ministro das Minas e Energias, ao Ministro do Interior e ao Presidente da Funai, na esperança de serem ouvidos. Disseram:

“[…] com a construção da hidrelétrica, a terra dos PIUTITI e TIQUIRIÁ vai ser inundada. Isso não pode acontecer. Pra que a Taboca foi pra lá? Pra estragar nossa terra? Até hoje, desde quando o Presidente Figueiredo deixou Taboca ir pra lá, está roubando nossa cassiterita só pra ela”. Está escrito. Letrinha por letrinha, palavra por palavra em língua portuguesa bem alfabetizada. Ponto, vírgula e pula parágrafo. De nada adiantou. Ao menos 9 aldeias desapareceram na região de Pitinga. Essa foi a única resposta.

Foto de Michell Mello. (1)

Foto de Michell Mello. (1)

Mineração Taboca. Foto de Michell Mello. (2)

Mineração Taboca. Foto de Michell Mello. (2)

Terra Indígena Waimiri Atroari. Foto de Raphael Alves. (3)

Terra Indígena Waimiri Atroari. Foto de Raphael Alves. (3)

BR-174. Raphael Alves/TJAM. (4)

BR-174. Raphael Alves/TJAM. (4)

Raphael Alves/TJAM. (5)

Raphael Alves/TJAM. (5)

Desenho Kiñá: Kamña Manî. Escola Yawará, sd. - Apresentado nas sessões da Comissão Nacional da Verdade. (6)

Desenho Kiñá: Kamña Manî. Escola Yawará, sd. - Apresentado nas sessões da Comissão Nacional da Verdade. (6)

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