Cripta Imperial
Ana Luiza Nobre
SP, Brasil
23°34'46" oeste e 46°36'37" sul.
Publicado em
25/05/2022
Atualizado em
17/03/2023
O funesto traslado do corpo de D Pedro de Portugal para o Brasil resultou do alinhamento político entre os governos dos dois países, ambos sob regime autoritário e presididos por militares de alta patente: o almirante Américo Tomás e o general Emilio Garrastazu Médici, respectivamente.
Assim, a 11 de abril deixava o porto de Lisboa o esquife com os despojos do monarca português que declarou a Independência do Brasil, onde fez-se Imperador e de onde partiu não muitos anos depois, deixando o país nas mãos de uma criança, para regressar a Portugal a fim de disputar o trono com seu irmão.
A cerimônia foi prestigiada pelo chefe de governo português, Marcelo Caetano, e várias autoridades portuguesas. Dias depois – mais precisamente, no dia seguinte à data instituída pelo regime militar em homenagem ao “patrono da nação brasileira”, Tiradentes – a urna funerária aportava no Rio de Janeiro, junto com o próprio Presidente português e diversos ministros de Estado. Ainda que o corpo, na verdade, estivesse incompleto, dado que o coração, entregue por testamento pelo próprio D Pedro à cidade do Porto, ficava em terras portuguesas, guardado como relíquia sagrada numa igreja.
Sacralizado, monumentalizado e mitificado como herói nacional pelo regime militar, em associação com uma série de outras iniciativas estratégicas destinadas a reforçar sentimentos patrióticos naquele momento, D. Pedro foi recebido num desfile cívico iniciado com um cortejo ritualístico dos governantes de Brasil e Portugal pelo centro do Rio de Janeiro, onde o féretro foi transportado sobre um tanque de guerra ladeado pelos “Dragões da Independência” (membros da guarda presidencial), e recepcionado por milhares de pessoas, enquanto aviões da Força Aérea Brasileira faziam acrobacias no ar. Nos cinco meses seguintes, os restos mortais seguiram em longa e solene peregrinação por todas as capitais brasileiras a partir de Porto Alegre – cidade escolhida em função da passagem de D Pedro por lá na Guerra da Cisplatina (1825-28), primeiro conflito armado de que o Brasil participou como nação independente, em luta pela expansão à força de seu território.
O destino final da urna funerária foi a cripta construída sob o Monumento da Independência, em São Paulo – inaugurado como parte das comemorações pelo centenário da Independência, em 1922, às margens do riacho do Ipiranga, onde D Pedro teria proclamado a Independência do Brasil. Ali já se encontravam enterrados os despojos da Imperatriz Leopoldina, e nos anos 1980 estariam também os de D. Amelia – as duas esposas do monarca. Ainda que o sepultamento do corpo de D Pedro às margens do poluído riacho na verdade só tenha se efetivado quatro anos depois, devido a uma diferença de oito centímetros, verificada em cima da hora, entre o caixão português e o sarcófago brasileiro.
Referências
CARVALHO, José Murilo. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1993
FERREIRA, Cristina; SILVA, Evander Ruthieri Saturno da. O RETORNO DO IMORTAL: D. Pedro I mitificado pelos militares nas representações imagéticas das Revistas O Cruzeiro e Manchete no Sesquicentenário da Independência (1972).
Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 6, n.11, p. 355-385, jan./ abr.
Revista Manchete – Edição da Independência: 150 Anos de Progresso. Rio de Janeiro, setembro de 1972.
Revista O Cruzeiro – Edição histórica de Sesquicentenário. Ano 44, n. 37. Rio de Janeiro, 13 de setembro de 1972.
SERPA, Élio Cantalício. 1972: Sesquicentenário da independência: uma estética para a nação. Memória, poder e tecnologia. In: RAMOS, Alcides Freire; PATRIOTA, Rosangela; PESAVENTO, Sandra Jatahy (Orgs.). Imagens na história. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008. p.213-232.
Fonte das Imagens:
Imagem 1: Cripta Imperial, São Paulo
Foto : Igor Rando / Wikimedia Commons
Fonte:https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Monumento_%C3%A0_Independ%C3%AAncia_e_Riacho_do_Ipiranga.jpg
Imagem 2: Ataúde de Dom Pedro I, no Panteão dos Braganças, em São Vicente de Fora, Portugal, momento antes do translado para o Brasil, em 1972.
Foto: Acervo Pessoal Embaixador Massarani
Fonte: Dissertação de Mestrado "Estudos de Arqueologia Forense Aplicados aos Remanescentes Humanos dos Primeiros Imperadores do Brasil Depositados no Monumento à Independência ", USP 2013, de Valdirene do Carmo Ambiel . https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/71/71131/tde-27032013-173516/pt-br.php
Imagem 3: Tomografia dos restos mortais da Dona Leopoldina
Fotos: Imagens Captadas de filmagens, Valter D.Muniz
Fonte: Dissertação de Mestrado "Estudos de Arqueologia Forense Aplicados aos Remanescentes Humanos dos Primeiros Imperadores do Brasil Depositados no Monumento à Independência ", USP 2013, de Valdirene do Carmo Ambiel.
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/71/71131/tde-27032013-173516/pt-br.php
Imagem 4 : Retirada do Crânio de Dom Pedro I
Foto: Valter D. Muniz
Fonte: Dissertação de Mestrado "Estudos de Arqueologia Forense Aplicados aos Remanescentes Humanos dos Primeiros Imperadores do Brasil Depositados no Monumento à Independência ", USP 2013, de Valdirene do Carmo Ambiel
Imagem 5 :Cerimônia de entrega dos restos mortais de Dom Pedro I ao governo brasileiro, nos 150 anos da Independência do Brasil, em 1972.
Foto : Eurico Dantas/ Agencia O Globo
Fonte : https://acervo.oglobo.globo.com/incoming/restos-de-pedro-chegam-ao-brasil-21229285
Imagem 6: Ambos presidentes de regimes ditatorias de Portugal e Brasil, Américo Thomaz e Emilio Garrastazu Médici em Cerimônia de entrega dos restos mortais de Dom Pedro I ao governo brasileiro, nos 150 anos da Independência do Brasil, em 1972.
Foto : Eurico Dantas/ Agencia O Globo
Fonte : https://acervo.oglobo.globo.com/incoming/restos-de-pedro-chegam-ao-brasil-21229285
Imagem 7:Tumulo do imperador Dom Pedro I na Cripta Imperial
Foto : Rovena Rosa/ Agencia Brasil
Fonte:https://agenciabrasil.ebc.com.br/foto/2021-09/tumulo-do-imperador-dom-pedro-i-1631037811