Cauê Andrade

Luciano Bernardino da Costa

MG, Brasil

19°34'57" oeste e 43°15'0" sul.

Entre Cauê e Andrade, um cheio e um vazio.

Publicado em
25/09/2022

Atualizado em
30/09/2022

Sentado sobre o tapete o homem olha sua profundidade. O homem imagina a pedra que um dia foi o cume de seus primeiros anos. Como um marco cortante apontado para o céu, o cume reluzia em tons ferrosos ao olhar dos viajantes, servindo a eles como um guia, um encanto em meio à ondulante paisagem. 

O avistar Cauê, um dos legados de Itabira que tinha no monte sua própria inspiração e melancolia. Cidade prenhe e fértil, abrigou as primeiras explorações de ouro, seguida pela mineração de ferro que, a partir do século XX, determinou sua constituição e vocação. A grande dimensão de seu território original gestou várias outras cidades do conhecido “quadrilátero ferrífero”, o que foi acompanhado por seus diferentes nomes e padroeiros antes de afirmar-se, em definitivo, como Itabira, remontando à submissão dos povos indígenas da região.  

E, ao centro da sala, com os olhos já cansados, o homem continua a mergulhar mais e mais nos desenhos do tapete. As telas, os móveis escuros delineados por uma vasta luz lateral, compõem o ambiente em que habita o poeta a olhar, a esmiuçar o assoalho, o chão, a memória. 

Sob estrondos de máquinas e explosivos, Cauê decompôs-se em pó, em pedra “britada em bilhões de lascas”, como tantos outros montes das redondezas. Entre eles o Pico de Itabirito, hematita em bloco único de rara pureza, feito patrimônio cultural, hoje está em processo de DEStombamento, prestes a sucumbir a extração ferrífera.   

Mas ainda é fácil localizar seu irmão Cauê, ao avesso, na forma de uma cratera enorme fazendo do pico uma mancha disforme observável pelo olhar onisciente dos satélites do Google. Suspensos na atmosfera georreferenciada, é possível identificarmos outras tantas estranhas crateras feitas de precipícios espiralados, cavas cuneiformes, ásperos degraus que se espraiam como amebas. 

Com nomes que remetem, por vezes, ao gigantismo ou à cultura que lhes deram origem, um ponto geográfico é sempre insuficiente para determinar suas extensões: BinghamCanyon, 40°31′23″N – 112°09′04″W, cobre/USA; Mir Diamond Mine, 62° 31.68’34”N – 113° 59.5253′ W, diamante/Sibéria; . Kalgoorlie Super Pit, 30° 46′ 29″ S – 121° 30′ 32″ L, Austrália/ouro; Chuquicamata, 22° 17′ 26″ S – 68° 54′ 07″, Chile / cobre; Carajás, 6° 6′ 29″ S – 50° 18′ 16″ W, Brasil/ferro. 

Tais localidades que antes eram ‘vistas’ e extensas paisagens perderam-se sob o olhar desencantado de Drummond. Elas não resistiram ao serpentear infinito dos vagões. A melancolia do escritor com a qual me compadeço, hoje se eternizou como memórias feitas de brita, de concreto, de aço em nossas cidades. Aguardo o dia em que possamos reencontrar um outro olhar afeito à delicadeza de um chamado da terra que nos une ao coração do mundo.

Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro, 1982. Foto: Rogério Reis / Tyba. (1)

Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro, 1982. Foto: Rogério Reis / Tyba. (1)

Fotomontagem do autor a partir de fotografias do Pico do Cauê (1942) e Buraco do Cauê (2007). Fonte: Companhia Vale do Rio Doce: 50 anos de História e Cristiane Magalhães. (3)

Fotomontagem do autor a partir de fotografias do Pico do Cauê (1942) e Buraco do Cauê (2007). Fonte: Companhia Vale do Rio Doce: 50 anos de História e Cristiane Magalhães. (3)

Fotomontagem do autor a partir de fotografias do Pico do Cauê (1942) e Buraco do Cauê (2007). Fonte: Companhia Vale do Rio Doce: 50 anos de História e Cristiane Magalhães. (3)

Fotomontagem do autor a partir de fotografias do Pico do Cauê (1942) e Buraco do Cauê (2007). Fonte: Companhia Vale do Rio Doce: 50 anos de História e Cristiane Magalhães. (3)

Extração de hematita no Pico do Cauê, em Itabira, Minas Gerais. Fonte: Reprodução/Arquivo Público Mineiro. (4)

Extração de hematita no Pico do Cauê, em Itabira, Minas Gerais. Fonte: Reprodução/Arquivo Público Mineiro. (4)