Mercado de Lagos

Alexandre Arthur Silveira, Ana Luiza Nobre, David Sperling

Lagos, Portugal

37°6'3" leste e 8°40'16" sul.

"A carne mais barata do mercado é a carne negra." Elza Soares, "A Carne"

Publicado em
18/09/2022

Atualizado em
28/09/2022

Conhecido também como Vedoria Militar ou ainda Alfândega de Lagos, o edifício foi construído em duas etapas, em 1444 a parte térrea e, posteriormente, em 1691, o segundo piso. Nesse tempo, Lagos já havia se firmado como centro marítimo e de comércio a partir das expedições portuguesas à África, e um espaço era necessário para a logística de comercialização de escravizados de lá originários.

No mesmo ano da construção do piso térreo, Lançarote de Lagos criou a “Companhia de Lagos”, vindo a organizar várias expedições comerciais na costa africana.  Os 240 cativos que trouxe compuseram a primeira venda de escravizados no Século XV na Europa. Utilizados em trabalhos pesados e em tarefas domésticas, os africanos escravizados passaram a fazer parte da paisagem portuguesa, marcando de forma profunda as relações sociais desse país.

Em escavações para a construção de um novo edifício no Vale da Gafaria, em Lagos, uma equipe de arqueólogos encontrou ossadas de uma centena e meia de corpos ali sepultados em períodos distintos. Os mais antigos datam do século XV, e os mais recentes, do século XVII. O achado deu origem ao Núcleo Museológico Rota da Escravatura, instalado no renovado Edifício da Alfândega – também conhecido por “Mercado de Escravos”.

O núcleo passou a integrar o projeto internacional da UNESCO “Rota das Pessoas Escravizadas: resistência, liberdade e patrimônio”, criado por iniciativa do Haiti e dos países africanos e lançado no Benin em 1994, para retirar do silêncio tudo o que cerca a escravidão e decolonizar imaginários sobre o mundo.

 

Segundo estimativas, entre 1500 e 1840, o ápice do comércio negreiro transatlântico, quase 12 milhões de escravizados foram transportados para o continente americano. O que representou o maior deslocamento forçado de pessoas a longa distância ocorrido na história.

De Gomes Eanes de Zurara, o 5.° Guarda-Conservador da Livraria Real, escritor responsável por narrar os feitos heróicos do rei Afonso V de Portugal, e observador do intenso movimento no Mercado de Lagos, lê-se o seguinte em sua “Crónica dos Feitos da Guiné”:

“Mas qual seria o coração, mais duro que ser pudesse, que não fosse pungido de piedoso sentimento, vendo assim aquela companha? Que uns tinham as caras baixas e os rostos lavados em lágrimas, olhando uns contra os outros; outros estavam gemendo mui dorosamente, esguardando a altura dos céus, firmando os olhos em eles, (…); outros feriam o rosto com suas palmas, lançando-se estendidos no meio do chão; outros faziam lamentações em maneira de canto, segundo o costume de sua terra  (…)”

No entanto, mais de cinco séculos depois, ainda ouvimos, cantamos e bradamos juntos com Elza Soares:

“A carne mais barata do mercado é a carne negra (Na cara dura, só cego que não vê)”

Johan Moritz Rugendas, “Viagem pitoresca ao interior do Brasil” (1)

Johan Moritz Rugendas, “Viagem pitoresca ao interior do Brasil” (1)

Cronologia e as rotas dos principais movimentos de tráfico negreiro. Mapa: NGM-P. Fonte: “An Atlas of the Transatlantic Slave Trade”, de David Eltis e David Richardson. reproduzido com autorização de Yale University Press. (2)

Cronologia e as rotas dos principais movimentos de tráfico negreiro. Mapa: NGM-P. Fonte: “An Atlas of the Transatlantic Slave Trade”, de David Eltis e David Richardson. reproduzido com autorização de Yale University Press. (2)

Trabalho análogo à escravidão se mostra em várias faces, mas com origem na vulnerabilidade social e econômica. (3)

Trabalho análogo à escravidão se mostra em várias faces, mas com origem na vulnerabilidade social e econômica. (3)

Lagos foi o primeiro porto continental português utilizado como entreposto do tráfico negreiro. Aqui chegaram milhares de escravos durante o século XV. (4)

Lagos foi o primeiro porto continental português utilizado como entreposto do tráfico negreiro. Aqui chegaram milhares de escravos durante o século XV. (4)

Edifício do Mercado de Escravos, em 2010. (5)

Edifício do Mercado de Escravos, em 2010. (5)

Comendo no chão sob o sol, vítimas foram atraídas por falsas promessas de boas condições de trabalho – MTP. (6)

Comendo no chão sob o sol, vítimas foram atraídas por falsas promessas de boas condições de trabalho – MTP. (6)

A Carne - Elza Soares

Senzalas - Nicéas Drumont