Medicilândia

Gabriel T. Ramos

PA, Brasil

3°27'47" oeste e 52°54'31" sul.

O cacau no chão é um vestígio de ruína

Publicado em
14/09/2022

Atualizado em
02/05/2023

Pela visão do mapa desencarnado, a cidade aparece como mais uma, na rodovia repleta de terra, poeira, buracos e asfalto precário. O mapa não mostra, mas a Transamazônica concentra promessas. Promessas que ressoam no imaginário brasileiro, gestadas por coronéis, com ou sem farda.

Saindo do município de Altamira, o maior do Pará, onde fica a Usina Belo Monte, em direção ao maior polo produtor de cacau da Amazônia, Medicilândia, é preciso seguir na direção sudoeste pela avenida Jader Barbalho, que se encontra com a BR-230 a 3,5 km da orla do rio Xingu. O nome da avenida homenageia em vida o ex-governador, senador pelo MDB e pai do governador do Pará. A Lei nº 12.781, de 2013, proíbe – com um olho no passado e outro no futuro – batizar bens públicos com o nome de pessoas vivas. 

Transamazônica inaugurada, Medicilândia surge da promessa da criação de um pólo produtor de cana-de-açúcar e da instalação de uma usina. Fundada em 1973, durante o  governo do general responsável pelo maior recrudescimento da ditadura, Medicilândia homenageia seu criador ainda em vida. A produção da usina Abraham Lincoln – homenagem extraterritorial  ao presidente americano que  emancipou os escravos – pouco se sustentou. As fotos da inauguração com sacos de açúcar vindos de Pernambuco já eram um claro prenúncio.

Hoje, Medicilândia é considerada a cidade do cacau, com a maior produção da fruta no Brasil. Um de seus maiores clientes, a Nestlé é responsável pela compra de mais de 30% de toda a produção nacional dessa matéria-prima. Há alguns anos, admitiu à organização não-governamental DanWatch, sediada na Dinamarca, que possivelmente já havia importado grãos produzidos em lavouras brasileiras flagradas por utilizar mão-de-obra escrava. 

É a sina dos grãos produzidos e plantados no chão, que continua sendo palco de disputas: do cacau caído, da queda da árvore, da mudança de cultura e do símbolo de prosperidade. O cacau no chão é um vestígio de ruína.

 Inauguração da Usina de Pacal. IBGE, 1974. (1)

Inauguração da Usina de Pacal. IBGE, 1974. (1)

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8 mil crianças trabalham em plantações de cacau no Brasil. (3)

8 mil crianças trabalham em plantações de cacau no Brasil. (3)