Teatro Oficina Uzyna Uzona
Ruy Sardinha Lopes
Publicado em
13/09/2022
Atualizado em
29/09/2022
“Quem nunca viu o samba amanhecer, vai no Bexiga pra ver, vai no Bexiga pra ver”, assim Geraldo Filme começa o samba de exaltação de uma das escolas de samba mais tradicionais de São Paulo, sediada no Bixiga: o Grêmio Recreativo Cultural e Social Vai-Vai. Mas, nem só de samba vive o vale do rio Saracura. O bairro que hoje é reconhecido por seus vínculos com a imigração italiana já foi território de um dos maiores quilombos urbanos da São Paulo colonial: o Quilombo Saracura.
O Bixiga, que já abrigou o lendário Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC, ainda hoje é palco da companhia de teatro mais antiga do Brasil: o Teatro Oficina Uzyna Uzona. Seu criador e diretor, José Celso Martinez Corrêa, nascido na linha direta de Dionísio, sob a benção de Antoine Artaud e Cacilda Becker, soube como poucos transformar sua Companhia em território de resistência e luta.
Renascida das cinzas do incêndio provocado por grupos paramilitares, em 1966, a sede da Companhia, situada na rua Jaceguai, 520, serviu de Arena de um dos momentos mais emblemáticos da defesa da liberdade de expressão naqueles anos de chumbo. Ao completar dez anos de sua criação, durante a encenação de Galileu, em 1968, Zé Celso reuniu jovens remanescentes da peça Roda Viva então proibida pelos censores, para entoar seus ditirambos contra toda forma de repressão.
Se nem o fogo, a prisão, a tortura e o exílio de seu diretor conseguiram impor o silêncio àquela Uzyna, o encontro com os arquitetos Lina Bo Bardi e Edson Elito e a edificação de um novo projeto arquitetônico para sua sede conferiram àquele espaço uma radicalidade ainda maior e necessária para a re-existência do Te-ato. O projeto, concluído em 1994, ao derrubar as paredes laterais e incorporar estruturas urbanas, como arquibancadas-andaimes, potencializou ainda mais o “atravessamento” do Teatro pelo seu entorno. Seu palco-rua-passarela não apenas (re)inventou o espaço cênico no Brasil, como, ao estender o espaço de atuação, radicalizou o caráter urbano e cidadão da cultura.
Não por acaso sua sede se tornou alvo de uma das disputas territoriais mais longevas da atualidade. Situada no coração do Bixiga, esse espaço se constitui como um dos últimos enclaves de resistência aos interesses imobiliários do Grupo Silvio Santos. A holding comandada pelo conhecido empresário do setor de telecomunicações e entretenimento vem desde a década de 1980 adquirindo inúmeros imóveis naquela região com o intuito de construir um grande empreendimento imobiliário. A epopeia travada pelos protagonistas, que já envolveu um coro bastante diversificado – de prefeitos, empresários e artistas à órgãos de defesa do patrimônio arquitetônico e artístico, explicita não apenas os inúmeros conflitos e interesses que se entremeiam no “fazer cidade”, mas sobretudo a força e resiliência dos movimentos culturais em nosso país. Evoé, Oficina!
Referências
Imagem 1: http://www.nelsonkon.com.br/teatro-oficina/
Imagem 2: http://www.nelsonkon.com.br/teatro-oficina/
Imagem 3: http://www.nelsonkon.com.br/teatro-oficina/
Imagem 4: http://www.nelsonkon.com.br/teatro-oficina/
Imagem 5: https://portal.institutobardi.org/os-fundadores/lina-bo-bardi/
Imagem 6: https://web.archive.org/web/20190116032406/http://teatroficina.com.br/wp-content/uploads/2017/03/2008_cond.-2-parte-1-1024x726.jpg
Imagem 7: https://www.facebook.com/parquedobixiga/photos/2515879291959556