Cafua das Mercês

É dia, mas a casa continua escura. Apenas um fino raio de sol atravessa a seteira aberta na parede. Não há janelas, a única passagem da casa é a porta principal. Que vida se projeta numa casa sem janelas? As seteiras, típico recurso da arquitetura militar medieval, serviam originalmente para que os arqueiros lançassem suas flechas em segurança. Mas esta é uma casa do século XVIII, construída em São Luís do Maranhão: a Cafua das Mercês.

No dialeto banto, cafua quer dizer lugar escuro, caverna. Mercês vem do português e se refere à misericórdia. A caverna da misericórdia era um depósito. Nele, ficavam alojados os africanos que cruzavam o Atlântico e chegavam a solos maranhenses, pela ação do contrabandista António Garrett, que além de comercializar escravizados, ocultava boa parte deles para sonegar os devidos impostos. 

Uma casa sem janelas serve para aprisionar quem está dentro, mas também para afastar quem está fora. A proximidade do depósito com o trapiche garantia a rapidez com que se seguia para o esconderijo após o desembarque. No dia seguinte, os escravizados eram levados à praça pública para atender ao comércio escravagista da época.

Cruzando a porta da casa sem janelas, uma grande massa da população africana compôs a história do país chamado Brasil. Por isso, em meados dos anos 1970, a Cafua das Mercês foi transformada em museu, o Museu do Negro. Seu acervo reúne objetos de diversas comunidades africanas como indumentárias, vasos cerimoniais, totens, máscaras, estatuetas de elementos híbridos, cachimbos e tambores. Junto ao resgate de etnias e culturas, são apresentados instrumentos de tortura e escravidão. No pátio interno do museu, há uma réplica do pelourinho que existiu no Largo do Carmo, onde sangue e lágrimas escreveram as memórias da colonialidade.

Na Cafua das Mercês, misturam-se ontologias da vida e da morte. As janelas da memória se abrem para a dor imposta aos povos escravizados, mas também para a potência que lhes pertence.