Biopirataria da Amazônia

Mariane Cardoso, Ana Luiza Nobre e David Sperling

Reino Unido

51°30'51" leste e 0°9'0" sul.

"A biopirataria é o modo atual de colonização." (Vandana Shiva)

Publicado em
24/10/2022

Atualizado em
24/10/2022

O nome do Brasil vincula-se ao seu primeiro recurso genético biopirateado: a madeira de cor avermelhada extraída das florestas nativas e embarcada às toneladas para a Europa, desde inícios dos século XVI. Sim, porque ao fim e ao cabo foram piratas, em naus do progresso, que arrancaram criminosamente do chão troncos de árvores, ouro, prata, frutos, sementes e conhecimentos tradicionais dos povos originários.

Locus de incomensurável diversidade, a floresta amazônica é cobiçada como uma reserva de recursos biológicos ainda hoje pouco explorados. Em 1541, a primeira expedição europeia a navegar pelos rios da Amazônia, comandada pelos exploradores espanhóis Francisco de Orellana e Gonzalo Pizarro, estava em busca do “país de la canela”. A pilhagem e apropriação desse valioso patrimônio genético e biológico, desde então, é uma constante. Um dos marcos da biopirataria mundial aconteceu em 1876, com o contrabando de 70 mil sementes de seringueira do Pará pelo inglês Henry Wickman, que implantou um sistema de cultivo na Malásia e pôs fim ao lucrativo ciclo da borracha na Amazônia brasileira.

Corsários contemporâneos estão mais interessados em patentes. Títulos de propriedades biotecnológicas outorgados pelo Estado que geram grandes lucros a seus detentores e nenhum retorno à floresta, às terras de onde saíram ou às comunidades onde o conhecimento se enraíza.

Todos os anos, indústrias farmacêuticas, cosméticas e alimentícias multinacionais disputam o controle exclusivo de riquezas vitais que brotam do chão da Amazônia. Em 2001, a japonesa Asahi Foods Corporations, por exemplo, patenteou um método de extração do óleo da semente de cupuaçu para a produção do cupulate, além da própria marca “cupuaçu”. A inglesa The Body Shop International patenteou o uso do mesmo extrato para a produção de cosméticos, enquanto a francesa Yves Rocher registrou a patente de uma composição farmacosmética à base de andiroba. A alemã Açaí GMBH, por sua vez, registrou o nome “açaí” como marca na União Europeia. 

Se é biopirataria ou biogrilagem, a questão está em contrariar as práticas de apropriação, patenteamento e monopolização, por multinacionais visando lucro econômico, de plantas, frutas, sementes e substâncias que envolvem saberes e conhecimentos conservados há séculos por comunidades locais.

Ou a pilhagem genética, biológica e cognitiva do Brasil não é um continuum que se reapresenta em larga escala nessas práticas contemporâneas?

Produto de beleza feito de cupuaçu brasileiro à venda em loja internacional.

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Plantação de seringueira em Fordlândia, cidade fundada por Henry Ford em 1927, no Pará, com um único propósito: a extração de borracha. Fonte: The Collections of Henry Ford. (1)

Plantação de seringueira em Fordlândia, cidade fundada por Henry Ford em 1927, no Pará, com um único propósito: a extração de borracha. Fonte: The Collections of Henry Ford. (1)

Fotomontagem presente na capa do livro ‘’The Thief at the End of the World: Rubber, Power, and the Seeds of Empire’’ de Joe Jackson, publicado pela Penguin Publishing Group em 2008. (2)

Fotomontagem presente na capa do livro ‘’The Thief at the End of the World: Rubber, Power, and the Seeds of Empire’’ de Joe Jackson, publicado pela Penguin Publishing Group em 2008. (2)