Fortaleza da Ilha do Mel

Joana Martins, Ana Luiza Nobre e David Sperling

Brasil

25°30'39" oeste e 48°18'41" sul.

Uma batalha naval na Baía de Paranaguá acelerou a proibição do comércio transatlântico de cativos para o Brasil mas não impediu que a escravização seguisse ilegalmente no país que confirmava sua opção pelo latifúndio.

Publicado em
22/09/2022

Atualizado em
02/12/2022

Depois de abolir a escravidão, a Inglaterra passou a pressionar seus parceiros comerciais para pôr fim ao trabalho escravo e assim aumentar o mercado de produtos industrializados. Os ingleses também se colocaram como fiscais do comércio ilegal em vários países, inclusive na costa do Brasil, onde desde 1831 o tráfico de escravos era proibido, embora o Estado Imperial fizesse vista grossa: estima-se que só na década de 1840, mais de 80% do total de africanos transportados à força para a América destinavam-se ao Brasil.

Em julho de 1850, um navio inglês fazia sua patrulha no litoral do atual estado do Paraná quando avistou quatro embarcações suspeitas. Seguiu-as até a Baía de Paranaguá, onde uma delas foi naufragada propositalmente, junto com a tripulação de cativos. Além de ter uma geografia propícia para a atividade portuária, a Baía contava com a cumplicidade das autoridades locais para o tráfico, se configurando como um ponto de intenso comércio negreiro. 

Incomodados com a intervenção inglesa em negócio tão lucrativo, marinheiros locais tramaram um ataque a partir do Forte Nossa Senhora dos Prazeres, localizado junto à saída para o Atlântico, na Ilha do Mel. Quando os ingleses estivessem rebocando as embarcações apreendidas em direção ao mar aberto, seriam ameaçados e os barcos liberados. Mas o vapor da Royal Navy antecipou-se e iniciou a batalha, que só cessou quando o navio inglês saiu do alcance dos canhões do forte.

Das ruínas da fortaleza, hoje tombadas como patrimônio nacional, afloram memórias do episódio que acelerou a aprovação da Lei Eusébio de Queirós, poucos meses depois, pela qual a proibição do tráfico seria reforçada, e a marinha brasileira ficaria responsável pela fiscalização. A lei continuou sendo apenas “para inglês ver”, no entanto, já que não encerrou a conivência do Estado brasileiro com o contrabando humano e o trabalho forçado: o comércio apenas se mudou para portos menores e terras mais afastadas. Ou seguiu por meio do tráfico interno de cativos.

Dias depois seria votada a Lei de Terras, a primeira, após a Independência, a dispor sobre o regime fundiário brasileiro, com a intenção de organizar o país para o fim iminente do trabalho escravo. A medida aboliu, em definitivo, o sistema colonial das sesmarias, estabeleceu a compra como a única forma de acesso à terra e tornou-se determinante para consolidar a concentração fundiária do país, ao impedir ex-escravos e camponeses de ter suas próprias terras, ainda que de pequenas dimensões.

Hoje, não faltam indícios de que a escravização segue sendo praticada, sob as mais variadas formas, no país que apresenta um dos maiores índices de concentração fundiária do mundo.

Visão geral do Forte da Ilha do Mel. Renato Soares/ MPUR. (1)

Visão geral do Forte da Ilha do Mel. Renato Soares/ MPUR. (1)

Visão geral do Forte da Ilha do Mel. (2)

Visão geral do Forte da Ilha do Mel. (2)

 Desenho do Navio HSM Cormorant, assinado por John Henslow, 1781. Wikimedia Commons. (3)

Desenho do Navio HSM Cormorant, assinado por John Henslow, 1781. Wikimedia Commons. (3)